Desbloquear o armazenamento autónomo
O Governo português apresentou à Comissão Europeia, no final de junho de 2023, a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima para 2030 (PNEC).
Este plano estabelece objetivos ambiciosos para a construção de novas centrais Solares e Eólicas, com destaque para a eólica offshore flutuante, uma tecnologia ainda pouco madura e que está a dar os primeiros passos.
Naturalmente que a entrada em serviço de tanta potência elétrica de geração só faz sentido se for acompanhada pelo crescimento dos consumos. Neste sentido, o PNEC, no seu cenário base, considera uma quase duplicação do consumo elétrico em Portugal até 2030, que nessa data se situará na casa dos 100TWh.
Concomitantemente é fundamental que o sistema elétrico nacional, nomeadamente o parque gerador e a rede se expandam de forma harmoniosa de modo a garantir o seu funcionamento seguro e fiável. Mas como será isto possível com tanta potência renovável não controlável. Por exemplo, como garantir potência elétrica disponível quando não houver recurso renovável? O que fazer dos excedentes? Como assegurar estabilidade no sistema por escassez de energia cinética que estas centrais não proporcionam?
Para responder a estas questões o PNEC refere, de modo superficial, a necessidade de fazer estudos sobre o armazenamento distribuído e sobre o potencial de reforço do armazenamento hídrico.
Ou seja, o PNEC estabelece objetivos mas não define a estratégia de como os alcançar. Isto é tudo o que não deve ser feito. Os edifícios não se começam pelos telhados, mas antes pelas fundações! Primeiro é preciso definir estratégias e estabelecer programas para alcançar esses objetivos. Sabendo-se que o aumento da capacidade de armazenamento é transversal a todos os cenários e é uma decisão sem “pena”, deveria ser uma ação prioritária que já estivesse bem definida no PNEC e o modo como se iria desenvolver.
Não, mas disto está feito, nem sequer esboçado.
É referido de forma ligeira que as centrais solares e eólicas poderão fornecer alguns serviços de armazenamento, mas tudo baseado na ação voluntarista dos promotores, o que claramente terá pouco significado pois não existe enquadramento regulatório que permita visibilidade sobre o funcionamento dos mercados de serviços de sistema e da organização de mercados de capacidade. Algumas das dúvidas que subsistem é se o serviço de regulação de tensão continua a ser gratuito e universal em toda a sua banda, se o serviço de regulação de potência pode ter otimizações e se passamos ou não a ter uma remuneração específica para o mercado de capacidade de potência, como alguns países europeus já o têm.
Não osbtante, trata-se de armazenamento de pequena escala e de ciclo de curta duração, o que é manifestamente insuficiente para poder balancear o sistema nos períodos de menor disponibilidade de produção renovável, em particular numa perspetiva de variabilidade sazonal.
É, outrossim, muito mais importante o armazenamento autónomo de grande escala e de ciclo longo que vá para além das 2 horas (ou 4 horas nalguns casos) das baterias. Este armazenamento de ciclo longo pode ser proporcionado pela bombagem hidroelétrica que, para além da regulação do sistema em energia, disponibiliza energia cinética fundamental para a estabilidade do sistema.
Surpreendemente as iniciativas de projetos neste âmbito esbarraram, para além das dificuldades inerentes a uma débil regulamentação, com um obstáculo adicional e inesperado: a ausência de capacidade de rede.
Estamos pois num beco sem saída. A rede não está preparada, nem se está a preparar para se cumpram os desideratos de uma transição energética. E assim, é claro, que não se está a promover uma trajetória custo-eficaz de desenvolvimento do sistema elétrico nacional. A expansão da rede deveria reger-se por uma visão consolidada de largo prazo e não, como temos assistido ultimamente, por impulsos reativos a pedidos pontuais e dispersos dos promotores pois os seus ativos são duradoiros e perenes no tempo. Qualquer decisão feita avulso para satisfazer pedidos isolados corre o risco de ter pouca rendibilidade ou de se tornar ociosa em pouco tempo.
O desenvolvimento da rede é muito mais do que isso. Ele é o elemento integrador do sistema por natureza e, precisamente por isso, deve ser suportada por uma visão holística das possibilidades de crescimento da geração renovável (e meios complementares, quando for o caso) tendo em conta a disponibilidade de recurso, o equilíbrio entre as diversas fontes e as condições de ordenamento de território.
Mas porque não existe capacidade de rede para a integração de fontes de armazenamento autónomo é que não se entende, pois ele tem um papel equilibrador no sistema, que funciona bidirecionalmente.
A consumir (armazenar) energia do sistema quando a produção renovável é abundante. A produzir energia elétrica quando a produção renovável é baixa. Dito de outro modo, funciona como um complemento ou balanceador à produção renovável e não como um aditivo.
Ou seja, se a rede tem capacidade de escoamento da produção renovável então terá também capacidade de escoamento da produção do armazenamento, visto que elas, por regra, não coincidem no tempo.
Verifica-se também que o armazenamento se situa, na maioria das vezes, junto dos locais de maior produção renovável pelo que permite uma certa absorção da geração produzida localmente contribuindo para o melhor equilíbrio de fluxos na rede.
É claro que a gestão das situações de rede é complexa e não pode haver uma certeza 100% absoluta de que isto se verifique sempre mas, como o padrão de comportamento do consumo/produção do armazenamento hidroelétrico é de equilibrador do sistema, existe uma probabilidade muito elevada de que a rede não fica penalizada com a sua integração, não se antevendo, portanto, razões práticas válidas para que se estejam a colocar entraves à sua integração no sistema.
É pois importante que as Entidades envolvidas assumam uma atitude construtiva e desbloqueadora da situação do armazenamento autónomo para que o sistema elétrico se possa desenvolver de forma fiável e segura, sem bloqueios desnecessários que induzem ineficiências na sua concretização.