
Deseconomias de escala e aumento do consumo
Com a publicação pela ERSAR, em fevereiro de 2025, do seu já clássico relatório anual - o RASARP -, ficamos a conhecer os principais indicadores do ciclo urbano da água em Portugal no ano de 2023.
Nos meios de comunicação social, as notícias, relativamente poucas, associadas a essa publicação destacam: 1) a estagnação dos indicadores de desempenho; 2) a insustentabilidade económica que ocorre nos municípios (infelizmente, na maioria), que persistem em incumprir o princípio do utilizador-pagador; e 3) a manutenção dos níveis elevados de ineficiência, com destaque para a hídrica (perdas e infiltrações).
Aceita-se, ainda, como conclusão, que o caminho do progresso no setor passa pela concentração (ou agregação), com o inerente reflexo em escala e diminuição do número de entidades gestoras.
Assim, dir-se-ia que o RASARP, novamente, não traz novidades.
No entanto, lendo o relatório com detalhe, surgem dois dados que não deixam de ser impressionantes: a) o número de entidades gestoras em baixa reduziu 29% na última década; b) os seus gastos totais atingiram os 2,6 mil milhões de euros (mais 15,8% e 350 milhões do que no ano anterior).
Em modelos de gestão em que não há incentivos económicos à eficiência, seja qual for a escala, e onde o utilizador (…) é pouco pagador, continuaremos a ver (…) sucessivos aumentos da ineficiência e do consumo
No que diz respeito aos gastos e observando um período mais alargado (os últimos 5 anos), verificamos que os gastos unitários têm vindo a aumentar a um ritmo anual médio de 3,3% por m3 e 4,2% por alojamento com serviço disponível. Ou seja, sempre acima da inflação.
Ao contrário, para os utilizadores domésticos e no mesmo período, estes serviços tornaram-se ainda mais acessíveis, com o seu peso no orçamento familiar a reduzir-se de 0,7% para 0,6%.
Ora, mesmo sendo a elasticidade-preço um exercício essencialmente teórico, ninguém defenderá que uma redução no preço levaria à redução no consumo. Efetivamente, e como era de esperar, com o aumento da acessibilidade económica, verificou-se também o aumento do consumo de água por utilizadores domésticos (2% ao ano) e não domésticos (1,5% ao ano). É certo que, nos mesmos últimos 5 anos, a população residente em Portugal também cresceu 0,6% ao ano, mas o consumo de água para usos domésticos cresceu ao triplo desse ritmo.
Não será surpreendente que, com tamanha concentração e eliminação de entidades gestoras, os gastos unitários subam tão acima da inflação e que, com tantas campanhas de poupança da água e atenção mediática à escassez hídrica, o consumo doméstico aumente acima do crescimento da população?
Diria que não.
Em modelos de gestão em que não há incentivos económicos à eficiência, seja qual for a escala, e onde o utilizador, graças às gerações futuras e aos contribuintes (europeus e nacionais), é pouco pagador, continuaremos a ver, ao arrepio de tudo o que aconselham as alterações climáticas, sucessivos aumentos da ineficiência e do consumo.
Estranho seria fazer mais do mesmo e obter resultados diferentes.