Energia pós-crise

Energia pós-crise

A ação climática sobre o setor da energia vem sendo, faz décadas, uma prioridade cada vez mais consensual. Desde o ano passado, com a emergência da guerra na Europa, a segurança e resiliência do setor energético passaram também a ser consensuais.

Quando deflagrou a guerra e dispararam os preços da energia nos mercados internacionais — movimento que, para sermos rigorosos, devemos notar que se iniciou largos meses antes da invasão —, houve reações de estupefação: “como foi possível tornarmo-nos tão dependentes energeticamente da Rússia”. Houve também preocupação e pânico: “o que é que podemos fazer agora, para garantir que temos energia? Como sobreviver a preços tão elevados?”.

Reuniões em loop em Bruxelas, pacotes, auxílios de estado, mecanismos, intervenções, planos de redução de consumo. Emergência, pânico e desorientação geral. Pelo mundo, na Europa, não só em Portugal, mas também. Tudo para resolver no curto prazo aquilo que só se resolve bem pensando no longo prazo. Muitos remendos, que não são soluções.

À medida que o tempo passa, os preços aliviam, a preocupação diminui e a atenção dispersa. Corremos o risco de cair outra vez na discussão centrada no curto-prazismo e dos remendos. Seria trágico, outra vez.

A realidade é que a segurança energética cruza com a ação climática e reforça a necessidade e a urgência de transformar o setor energético. Com esta crise, abriram-se vários caminhos que devem ser percorridos.

O mais óbvio e mais imediato passa por melhorar a dinâmica de aprovisionamento de gás natural na Europa. Essencialmente com mais LNG, novos terminais (principalmente flutuantes) e uma renovada lógica de armazenamento. Terá alguma eficácia, mas de (até) médio prazo. E não impedirá o contágio dos preços de gás natural via mercados mundiais.

Os restantes caminhos passam (todos!) pela descarbonização do setor.

O mais seguro e mais óbvio é o da eficiência energética. As “janelas verdes” eficientes, que foram implementadas recentemente ao abrigo de um programa de incentivos, são um exemplo bom. Cada investimento desses gera retorno em poupanças de energia durante décadas. E essas casas, independentemente de terem os mesmos donos/inquilinos ou outros no futuro, quando vier a próxima crise geopolítica da energia, vão consumir menos energia e, por isso, quem lá viver vai ser menos afetado pela crise.

Este caminho conflui com o da eletrificação das necessidades térmicas dos edifícios. Por exemplo, quem instalou, agora, uma bomba de calor, vai ter bomba de calor para anos/décadas. Mesmo que o tempo de vida útil desse equipamento expire. Nessa casa, onde foi instalada uma bomba de calor, ninguém mais vai querer instalar caldeiras a outros combustíveis (fósseis). Na próxima crise, nessas casas, já lá estará uma bomba de calor. A que foi instalada agora, ou outra, mais moderna, que a substituirá. Não é quando surgir a crise que se vai a tempo de instalar esse equipamento. Tem de ser antes.

A produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis, incluindo os sistemas descentralizados, é também outro caminho óbvio. É preciso aumentar significativamente a percentagem de energia gerada por renováveis. Tanto no chamado autoconsumo, como nas comunidades locais de energia, como nas centrais ligadas à rede de transporte e distribuição. Claro que é preciso adaptar as infraestruturas e as regras de operação do setor em conformidade. Garantindo níveis de firmeza, flexibilidade e fiabilidade, que não se conseguirão sem investimento (não necessariamente centralizado).

A partir daqui, há rotas abertas a percorrer, mas cujo resultado não é ainda totalmente determinado. Descarbonizar o gás e os combustíveis rodoviários, ou produzir hidrogénio (amónia) aparecem, a par da eletrificação da mobilidade, como objetivos relevantes. São vias, complementares e por vezes substitutas, que têm de ser exploradas.

Tudo isto exige muito investimento. Algum dele público, mas a maioria privado. Deste, uma boa parte será realizado pelas famílias, a maior parte por empresas. As melhores políticas e as melhores regras de mercado são aquelas que contribuírem para que este investimento aconteça atempadamente.

Não podemos falhar.

 

Texto publicado na edição julho/agosto 2023 do Jornal Água&Ambiente

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