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Fará falta uma agência para o clima?

Fará falta uma agência para o clima?

Ao criar uma agência para o clima, o Governo toma uma atitude absolutamente legítima. O clima é a grande preocupação ambiental dos dias de hoje, e não fica mal reconhecer isso na orgânica do Governo.

É também verdade que o Ministério do Ambiente tinha outro problema que resultava da fusão das secretarias-gerais de vários ministérios, com a sua ida conjunta para o edifício mais feio da cidade de Lisboa. É que o Fundo Ambiental era gerido pela Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente e seria de esperar que a Ministra quisesse manter a gestão do dito fundo com autonomia (isto sou eu a presumir, apenas porque me parece razoável, pois, em bom rigor, não sei).

Verdade também será reconhecer que as agências são como os melões. Só quando começam a funcionar é que se sabe mesmo se foram ou não uma boa ideia. Quem a vai gerir, que autonomia tem e sobretudo como é que se integra com os restantes organismos do Ministério do Ambiente.

Isto escrito, eu não teria criado tal agência e explico porquê.

Eu gosto da APA. É enorme nas suas competências, integrou o antigo INAG, mas, com o tempo, organizou-se e responde bem. E se há coisa que a APA faz mesmo bem é o clima. A APA é reconhecida internacionalmente pela forma profissional como assumiu o compromisso internacional da redução de emissões e da adaptação. E é também a entidade que fez o primeiro roteiro para a neutralidade carbónica no mundo, que desenvolveu o plano de adaptação às alterações climáticas do país e que conseguiu disseminar, dentro de portas, a importância vital do clima nas suas múltiplas atuações, desde os processos de avaliação de impacte ambiental, ao extraordinário investimento de recuperação de milhares de quilómetros de rios e ribeiras após os incêndios de 2017, usando apenas soluções de base natural, ou seja, promovendo diretamente a adaptação.

(...) foi atribuída a uma agência que representa uma parcela do Ministério do Ambiente a gestão do dinheiro a que terão acesso todas as restantes entidades do próprio Ministério

A esta nova agência do clima faltará sempre o braço operacional que a APA tem para agir no território, o que constitui, à partida, uma perda. A APA foi, na prática, a integradora de políticas setoriais em prol do combate às alterações climáticas, dentro e fora do Ministério do Ambiente, com resultados muito visíveis, de que o melhor exemplo é a redução em 34% das emissões carbónicas em Portugal desde 2005, antecipando metas internacionais a cumprir. Eu não mexeria nesta orgânica. Tenho para mim que a ideia da transversalidade da nova agência do clima, sendo, em teoria, uma coisa fácil de escrever, será de uma enorme complexidade prática, precisamente por não ter a capacidade de intervir no território. Mas, insisto, tudo vai de quem for dirigir a dita a agência e da arte que tiver.

À agência do clima foi atribuída a responsabilidade de gestão dos fundos do Ministério, com especial destaque, pela sua dimensão, do Fundo Ambiental. Dito de outra forma, foi atribuída a uma agência que representa uma parcela do Ministério do Ambiente a gestão do dinheiro a que terão acesso todas as restantes entidades do próprio Ministério. Isto é, uma entidade executora desses mesmos fundos, com vontades e projetos próprios, com obrigação de fazer e atingir objetivos, vai liderar a competição de que é parte na alocação de verbas. Antes, a gestão desses fundos estava na Secretaria-Geral, que era uma entidade neutra e sem políticas ambientais próprias e, por natureza, equidistante de todos os executores.

Pior ainda, na gestão dos fundos, participa o Ministério das Finanças e, deixemo-nos de palavras doces: as Finanças nunca participam, mandam. A liberdade de gestão do Fundo Ambiental, que era um fato único no contexto do Governo, acabou. Terá a mesma receita, mas deixará de ter condições para executar o que executava.

Pior ainda, na gestão dos fundos, participa o Ministério das Finanças e, deixemo-nos de palavras doces: as Finanças nunca participam, mandam

Em resumo, e dando sempre o benefício da dúvida a quem vem, não vejo razão para extirpar à APA as competências do clima, quando esta era uma área de excelência da própria APA. Menos razões vejo para que o Ministério do Ambiente perca liberdade na gestão do Fundo Ambiental, que tantos projetos financiou. Tenho mesmo receio que perante uma emergência, uma cheia, uma seca, uma praia descarnada de areia por um temporal, se volte ao modelo de financiamento anterior ao Fundo Ambiental, com o ambiente de chapéu na mão à porta das finanças, regressando a um tempo em que nunca nada acontecia, mas depois passou a acontecer com o Fundo Ambiental gerido de forma próxima do poder político.

Pensando no país, pensando no clima, desejo a melhor das sortes à futura agência do clima.

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