Governança da água
Moderador: Eduardo Marques, Presidente da Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA)
Oradores: Nelson Brito, Coordenador do Grupo de Trabalho da Assembleia da República para a Revisão da Lei da Água; Felisbina Quadrado, Diretora de Recursos Hídricos na Agência Portuguesa do Ambiente (APA); Pedro Serra, Consultor; António Carmona Rodrigues, Professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA FCT).
Governança da água: Que poderes reforçar e como garantir a monitorização
Com a moderação de Eduardo Marques, Presidente da AEPSA, este painel foi centrado na reflexão sobre os modelos de governança na gestão de recursos hídricos, no contexto das atuais alterações climáticas. No debate participaram três especialistas, Engª Felisbina Quadrado, Diretora de Recursos Hídricos da APA, Dr. Nelson Brito, Coordenador do Grupo de Trabalho da A R para a Revisão da Lei da Água e Eng. Pedro Serra, Consultor.
O primeiro momento deste painel contou com uma apresentação de Nelson Brito, que destacou que a reflexão sobre a alteração Lei da Água foi amplamente participada no âmbito dos grupos parlamentares e ministérios.
Salientou que entende que regular os poderes em matéria de proteção e gestão dos recursos hídricos passa pelo aumento do controle do poder público na distribuição da água, através do reforço dos poderes da Autoridade Nacional da Água, que deve permitir a monitorização e fiscalização no sentido de reduzir consumos e perdas, aumentar a reutilização e garantir maior eficiência na rega. Tendo em conta que a água é um recurso que define a evolução socioeconómica das regiões, questionou qual o modelo económico que se quer para o País, dado que cerca de 15 a 20% do consumo de água é assumido pela população e os restantes são consumidos em atividades industriais e agrícolas.
Para contextualizar o debate, Eduardo Marques salientou que nas últimas décadas se registou uma redução de precipitação na ordem dos 20%. Este facto tenderá a agravar-se em função das alterações climáticas, prevendo-se uma redução acrescida de 20% até final do século. Cada vez mais se verificarão precipitações muito intensas e longos períodos de seca, o que consubstancia um grave problema para as reservas de água, quer em albufeiras, quer em lençóis freáticos. Este fato reflete-se já de forma muito preocupante no índice de escassez de água nas bacias, que ronda em média os 60%. Por outro lado, na última década tem-se verificado uma preocupante estagnação das perdas de água nas redes de abastecimento, da ordem de 30%. Acresce que nos últimos anos aumentaram exponencialmente as culturas de rega intensiva no sul do País, onde tradicionalmente existiam culturas de sequeiro. Ultimamente, este contexto de seca extrema tem levantado questões como proibir consumos de água relacionados com atividades turísticas, sendo necessário refletir sobre o que gera maior valor para o País. Assim, questionou se num cenário de crise de crescente escassez de água, faz sentido reforçar os poderes de administração na gestão deste recurso?
Felisbina Quadrado considera que a governança é uma questão essencial. Quando foi publicada a Lei da Água houve um reforço claro e inequívoco da Autoridade Nacional da Água. Porém, a APA não tem instrumentos suficientes, pelo que dotar as instituições com os meios que necessitam é prioritário. Considera que a melhoria dos estudos deve passar por mais monitorização e obtenção de mais dados para uma gestão efetiva dos recursos hídricos. Defendeu ainda uma estratégia conjunta para a gestão da água e mais transparência.
Pedro Serra, referiu que a problemática da governança está muito associada à escassez. Salienta que a Lei da Água admite algumas soluções de governança, como se implementou no caso da EDIA que já tem um modelo avançado. O Estado pode delegar parte das suas competências de gestão de recursos hídricos a associações de utilizadores, contudo, tanto quanto se sabe, não existe ainda nenhum caso.
O segundo tema questionou se a nacionalização das águas subterrâneas é viável e desejável ou se deve haver um maior controlo dos consumos captados?
Felisbina Quadrado destacou que a fiscalização é importante, mas não pode haver um polícia atrás de cada pessoa. Os esforços de comunicação não estão a ser eficazes junto da população. E questiona como chegar às pessoas e fazê-las sentir que a água é algo importante? No que se refere à hipotética nacionalização, a especialista entende que a gestão tem de ser pública, para permitir estudos integrados. Sobre as medidas que podem ser tomadas para contribuir para uma melhor gestão, recorda que existem instrumentos ao nível da alteração de atuação que foram propostos, nomeadamente, obrigar ao autocontrole. Considera que o tarifário pode ter um efeito dissuasor.
Sobre a nacionalização das águas subterrâneas, como foi feito em Espanha, Pedro Serra destacou que em Portugal, a situação é diferente. As águas subterrâneas em Portugal são um bem privado desde 1866. A Lei da Água manteve esse estatuto para as águas subterrâneas. Avançou ainda que a nacionalização das águas subterrâneas em Espanha não teve nenhuma consequência na gestão dos recursos hídricos e defendeu que é preciso encontrar outras soluções. Destacou outra disposição, que já deveria ter sido acionada, e que passa pela transmissão de títulos de utilização. Esta disposição já existe na Lei da Água e é utilizada noutros países. Assumiu que temos procedimentos que nos permitem melhorar a gestão dos recursos hídricos e que é importante dotar as entidades dos meios necessários para exercer as suas funções.
Nelson Brito salientou que para refletir sobre o domínio público da água é necessário ter em conta o Código Civil, mas também a Constituição.
Para final do debate, Eduardo Marques salientou a preocupação bem patente no Parlamento com a apresentação de quatro Projetos de Resolução, em 24/10. Questionou se antes de reforçar os poderes da administração, não será preciso reforçar a responsabilidade e eventualmente penalizar. Destaca o caso gritante das perdas de água, já que há ainda muitos municípios com perdas superiores a 50%. Neste âmbito questionou se haverá falta de legislação, falta de consciencialização ou falta de fiscalização.
Em relação à governação, Nelson Brito considera que tem de haver uma forte participação a nível, local, regional e nacional: “Mas em breve teremos que considerar uma nova dimensão da questão da governança, que é a governança ibérica para a gestão da água”.
Já Pedro Serra afirmou: “Se passamos a um modelo de gestão ibérica dos recursos hídricos, vamos ficar a perder. Ninguém tenha ilusões a esse respeito. Quando os espanhóis tiverem alguma coisa a dizer sobre a forma como gerimos os nossos recursos hídricos vamos passar a dispor de muito menos água”.
Felisbina Quadrado acrescentou “sabemos que as negociações com Espanha não são fáceis”, mas recordou que temos feito um caminho no âmbito da convenção, em várias áreas. A Presidência Portuguesa conseguiu levar esse tema para a Europa. Portugal e Espanha estão atualmente a coordenar esse grupo de trabalho comunitário, o que é importante para ajudar a criar uma visão de implementação comum.
Eduardo Marques resumiu este painel com a conclusão de que “O essencial problema da água no nosso País parece ser, efetivamente, um problema de governança, ou falta dela”.