Hidrogénio verde em Portugal, oportunidades e cuidados!

Hidrogénio verde em Portugal, oportunidades e cuidados!

O atual contexto tem sido rico em novos argumentos para equacionar alternativas ao atual sistema energético, sobretudo na Europa: a necessidade de independência do gás russo, que está na origem de preços exorbitantes de gás e de eletricidade, e os extremos climáticos, com a seca histórica a assolar o continente com impactos múltiplos. Se o primeiro se deve a estratégias belicistas, podendo ser de natureza conjuntural, o segundo resulta do agravamento de condições climáticas, em linha com a alteração conhecida do sistema climático, perdurando por isso por dezenas, senão mesmo, centenas de anos adiante.

Este contexto acelera a oportunidade para o desenvolvimento do hidrogénio verde (H2) para o novo sistema energético, incluindo o Português. O H2, produzido a partir da eletrólise da água que separa os átomos de hidrogénio e de oxigénio, com recurso a eletricidade de fonte renovável,

tem sido avaliado como uma opção viável para descarbonizar processos energéticos como alternativa aos combustíveis fósseis, em especial em processos industriais com necessidades de aquecimento de alta temperatura, transporte marítimo ou camiões para transporte de mercadorias, substituindo o gás natural e derivados de petróleo. O H2 pode ser adicionado aos gasodutos atuais, numa proporção usualmente até 20%, dependendo do material de revestimento interior dos gasodutos, estendendo a vida útil daquelas infraestruturas e descarbonizando o consumo doméstico e de serviços. O H2 tem sido também avaliado como uma opção para a integração da produção de eletricidade renovável variável que não encontra consumo no momento da sua produção, sendo este excesso usado para gerar hidrogénio, que será utilizado mais tarde, conferindo flexibilidade ao sistema elétrico.

Dois aspetos sobre o H2 merecem atenção: custo e sustentabilidade ambiental. A composição do custo nivelado do H2 (LCOH, Levelized Cost of Hydrogen) é dominada pelo custo da eletricidade (de 30% a 50%, dependendo por exemplo do fator de capacidade (FC) dos sistemas fotovoltaicos), pelo custo dos eletrolisadores (30%), sendo o restante devido a custos de operação e manutenção (10%), e de mão de obra e consumo de água (1%). Em regiões com FC de 40% (e.g. deserto do Atacama no Chile), o LCOH é inferior a 2 US$/kgH2, enquanto para FC de 30% (e.g. Austrália) varia entre 3,77 e US$ 4,34/kg. Análises recentes(1) para o sistema energético português, considerando a redução de emissões de gases com efeito de estufa em linha com a neutralidade carbónica em 2050 (i.e. com um preço sombra associado a estas emissões), mostram uma evolução de custo de produção de 2,6  /kgH2 em 2030 para 2,1 a 1,5 /kgH2 em 2050, dependendo do potencial de eletricidade renovável moderado(2) ou ambicioso(3), respetivamente. A diminuição deve-se à redução em mais de 50% do CAPEX dos eletrolisadores e à redução do custo de geração de eletricidade renovável (20 a 30%) naquele período.

A competitividade do H2 verde nacional para exportação depende do potencial endógeno de eletricidade renovável, já que esta é muito relevante para a meta da neutralidade carbónica do País. Um potencial moderado(1) de eletricidade renovável assegura a competitividade do H2 para exportação por volta de 2050 para preços no mercado internacional de 2.6$/kg H2, enquanto um potencial ambicioso(2) torna o H2 nacional competitivo a 2$/kgH2 já em 2040. De referir que esta análise não leva em conta o preço do transporte para fora do País, o que fará baixar a sua competitividade.

O consumo do H2 pode chegar a 20% do total do consumo nacional de energia final em 2050 (1,5% em 2030). Os transportes pesados de mercadorias e de passageiros são os consumidores onde é mais custo-eficaz o uso do H2, podendo vir a representar até 50% do seu consumo de energia final em 2050, na ausência de exportação. Em cenários de competição para exportação, o uso do H2 nos transportes pode baixar para 38%. A indústria (o vidro, cerâmica e indústria química) é também um consumidor de H2 custo-eficaz podendo este representar entre 20% e 28% da sua energia final em 2050.

O consumo de água tem sido apontado como um problema na economia do H2. Baseado na reação estequiométrica, por cada kg de H2 produzido, são necessários 9kg de água. Por comparação com as alternativas atuais, o consumo de água associado ao H2 não é significativo(4). Para Portugal este aspecto deve merecer toda a atenção num contexto integrado de gestão da escassez de água. A ocupação do território por painéis PV que fornecem eletricidade à produção do H2 deve nortear o seu desenvolvimento, já que o seu custo de oportunidade não tem sido incorporado nos projetos solares.

O hidrogénio verde surge como uma opção com expectativas muito positivas para Portugal. A competição pelo seu uso para consumo interno e para exportação deve considerar uma análise integrada cuidada, em que os aspetos ambientais devem obrigatoriamente estar ‘contabilizados’ sob pena de representarem custos futuros muito significativos.

 

(1)  P. Fortes et al (2022) “Análise da competitividade do Hidrogénio verde em Portugal: consumo interno vs exportação” CENSE, FCT NOVA.

(2)  APA (2019) Roteiro para a Neutralidade carbónica da Economia Portuguesa até 2050.

(3)  ENTSOE, ENTSOG (2022) TYNDP 2022 Scenario Report (Distributed Energy scenario). European Network of Transmission System Operators for Electricity, European Network of Transmission System Operators for Gas.

(4)  Beswick et al (2021) Does the Green Hydrogen Economy Have a Water Problem? https://doi.org/10.1021/acsenergylett.1c01375

Topo
Este site utiliza cookies da Google para disponibilizar os respetivos serviços e para analisar o tráfego. O seu endereço IP e agente do utilizador são partilhados com a Google, bem como o desempenho e a métrica de segurança, para assegurar a qualidade do serviço, gerar as estatísticas de utilização e detetar e resolver abusos de endereço.