Instrumentos de avaliação ambiental perante novos desafios

Instrumentos de avaliação ambiental perante novos desafios

Os desafios ambientais e sociais que a sociedade atual enfrenta têm origens muito diversas. Podemos descrever esses desafios ao longo de um espetro — num extremo, resultam de processos de mudança incrementais, que se acumulam lentamente ao longo do tempo (por exemplo, as alterações climáticas) e, no outro extremo, resultam de eventos ou ocorrências súbitas, muitas vezes inesperadas, que provocam mudanças disruptivas (por exemplo, atos de terrorismo). Os primeiros demoram a fazer-se notar e são difíceis, ou mesmo impossíveis, de contrariar no curto/médio prazo. Os segundos causam perturbações espontâneas, exigindo adaptações super-rápidas e quase instantâneas. Em ambos casos, é necessário mudar hábitos, práticas e procedimentos para gerar adaptação e contrariar a inércia dos sistemas.

Facto é que o mundo mudou muito nas últimas décadas. Desde o século vinte, sobretudo na sua segunda metade, assistimos a grandes mudanças tecnológicas e sociais que alteraram profundamente as lógicas de desenvolvimento, as estruturas sociais e as relações de poder, a relação entre o meio urbano e o meio natural, o acesso ao bem-estar, ao conhecimento, o direito à diferença, o equilíbrio global e as expectativas das empresas, das cidades, das instituições e dos indivíduos. A incerteza aumentou extraordinariamente e poucos são os prognósticos que podem ser dados como certos.

A Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) foi o primeiro instrumento de avaliação e gestão ambiental, adotado nos anos 1970, para avaliar as alterações que grandes projetos de desenvolvimento, como grandes infraestruturas, exploração petrolífera ou barragens, provocavam no meio natural e social. As grandes preocupações eram a destruição dos ecossistemas, a contaminação da água, do ar e do solo, os efeitos sociais em termos de afetação da saúde, realojamentos provocados por profundas interferências territoriais e a perda de benefícios sociais e valores culturais. O objetivo da AIA sempre foi o de melhorar a qualidade dos projetos, mas os procedimentos legais pareciam sugerir que o que se queria era parar os projetos.

Apesar de ter havido uma evolução da AIA (por exemplo, com a adoção da hierarquia da mitigação) e a sua multiplicação em várias outras tipologias de instrumentos (sistemas de gestão ambiental, avaliação de impactes sociais, na saúde, psicológicos, etc.), bem como o aparecimento de um nível mais estratégico de avaliação (com a avaliação ambiental estratégica), o essencial da avaliação de impactes não mudou muito. Sempre considerados um custo, o seu papel e a sua contribuição para decisões mais sustentáveis são menosprezados, sendo muito poucos os que reconhecem o valor acrescentado que estes instrumentos podem trazer à decisão. E isto porque o seu perfil de instrumentos controladores do desenvolvimento, obrigatórios por lei, e todo o sistema de polícia que os envolve, não mudou no essencial. Aliás, com as crises económicas sucessivas e a necessidade de os governos incrementarem projetos de desenvolvimento, assistimos a um aliviar das obrigações relativas à AIA em diversos países do mundo, incluindo Portugal. Tipologias de projetos são excluídos dos procedimentos de AIA considerados demasiado morosos, exigentes e, mais grave que tudo, incoerentes e sujeitos a grandes arbitrariedades.

As exigências europeias e mundiais relativas à descarbonização motivaram o desenvolvimento de projetos de aproveitamento de energias renováveis, como eólicas onshore e offshore e parques solares gigantescos, justificados por políticas ambientais e de sustentabilidade energética. A emergência do hidrogénio como combustível verde coloca desafios gigantes em termos de consumo de água, recurso já de si escasso, ou incerto, em face dos eventos climáticos extremos. Os carros elétricos que podem ajudar a reduzir a pegada carbónica dependem de baterias que requerem a exploração de lítio e outros minérios. Em todos estes casos, estamos perante as chamadas situações wicked: megaprojetos gerados à luz de políticas ambientais e de sustentabilidade (desejados), mas com enorme impacte ecológico e social (indesejados). E, contudo, uma AIA construtiva, participada e verdadeiramente proativa poderia ser um instrumento reconhecido e valorizado pela mais-valia que pode trazer ao decisor e à qualidade dos projetos.

As mudanças globais, as necessidades sociais e consequentes desafios emergentes requerem abordagens construtivas e sistémicas que permitam a aprendizagem dos diferentes atores interessados, processos colaborativos e de cocriação de conhecimento que incentivem uma mudança para práticas mais justas, eficazes e ambientalmente equilibradas, contrariando atuais práticas não sustentáveis. Esperemos que esta possa vir a tornar-se uma realidade em relação aos instrumentos de avaliação ambiental num futuro próximo.

Topo
Este site utiliza cookies da Google para disponibilizar os respetivos serviços e para analisar o tráfego. O seu endereço IP e agente do utilizador são partilhados com a Google, bem como o desempenho e a métrica de segurança, para assegurar a qualidade do serviço, gerar as estatísticas de utilização e detetar e resolver abusos de endereço.