Menos água, mais ação

Menos água, mais ação

Quão bem conhecemos os efeitos das alterações climáticas, em especial os que resultam do aumento da temperatura e da frequência e intensidade de fenómenos climáticos extremos, tais como cheias e secas? Podemos, com toda a certeza, afirmar que conhecemos cada vez melhor até porque, infelizmente, nos defrontamos com estes efeitos com frequência e intensidade crescentes nos últimos anos. As cheias na Europa central provocaram no Verão passado um número considerável de mortes e estragos avultados em habitações e infraestruturas.

No que respeita à seca, o exercício é mais simples, não só pelo contacto com realidades brutais, como o imemorável “Dia Zero” da Cidade do Cabo, na África do Sul, em 2018, apenas para citar um exemplo recente, mas também pela constatação da situação difícil em que nos encontramos em Portugal e um pouco por toda a Europa já neste ano de 2022.

O contexto de seca que o nosso país atravessa tem vindo a agravar‑se. Os dados mais recentes do IPMA indicam que 97% do território português é atualmente afetado por condições de “seca severa” em resultado de temperaturas invulgarmente quentes e precipitações inferiores à média. Maio de 2022 fica na história como o mês mais quente em 92 anos e a reduzida pluviosidade registada (de apenas 13% da média histórica referente ao período 1971‑2000) enquadra‑o como o segundo mês mais seco desde que há registos (o ano de 1931).

As condições meteorológicas extremas, a falha na ação climática e os danos ambientais causados por humanos são, a par da concentração do poder digital, a desigualdade digital e a falha de segurança cibernética, identificados pelo World Economic Forum como os fatores de risco com maior probabilidade de ocorrência nos próximos dez anos.

Em palavras mais simples, podemos dizer que a crise da água é um dos maiores riscos globais e que, dada a essencialidade deste recurso, o futuro reserva‑nos uma elevada incerteza em domínios que extravasam o setor da água, sendo transversais a toda a sociedade e à nossa forma de vida neste planeta.

É certo que a distribuição de água é irregular, com zonas mais áridas e onde a escassez é crónica e outras em que se fazem notar mais, e cada vez mais, os impactos das alterações climáticas.

A gestão atual e futura dos recursos hídricos, tanto superficiais como subterrâneos, passa por quantificar as disponibilidades hídricas, atuais e futuras, caracterizar os usos, consumos e necessidades de água, determinar o índice de escassez e avaliar a evolução face a cenários de alterações climáticas.

O estudo “Disponibilidades de água e alterações climáticas”, promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente e divulgado no final de 2021, assim o sublinha, exigindo‑nos uma reflexão muito séria, como sociedade num todo e também a nível local, nas diversas comunidades.

À redução do escoamento, na ordem dos 30% no período 1981/2016, acrescem perspetivas de redução entre 20% e 50% no horizonte de 2100 nas regiões do Mira e Sado, consoante o cenário.

Atualmente, no Alentejo, por exemplo, as referidas elevadas temperaturas e baixa precipitação traduzem‑se numa significativa diminuição de água no solo, com percentagens agora inferiores a 20 por cento.

Torna‑se demasiado evidente a necessidade de aumentar o nível de segurança e salvaguarda dos sistemas de abastecimento de água para consumo humano.

Mas também mudar a forma como o pensamos. Desde efetuar opções na gestão do território em face da oferta disponível deste recurso escasso por natureza, como deixarmos de maltratar ou desconsiderar algo que reconhecemos como essencial à vida, à saúde pública e ao desenvolvimento e bem‑estar das pessoas e das sociedades.

Territórios que convivem historicamente com a escassez do recurso água, não podem pensar que a mesma é agora abundante, por muitos e importantes investimentos que possam ser realizados. As comunidades devem estar conscientes do efetivo risco de escassez hídrica.

Também não podemos perpetuar as perdas de água nas redes e os volumes não faturados, mesmo em regiões em que o recurso parece ser abundante.

Contrariar qualquer ideia de abundância deve ser uma prioridade, a par do planeamento, do ordenamento do território, da gestão integrada do recurso, do pensamento antecipado e integrado de infraestruturas ou da concretização dos investimentos e incentivos ao uso eficiente pelos diferentes utilizadores. Também neste domínio não faltam já bons exemplos. A questão colocada no início deste texto pode ser singela, mas a resposta não é simples nem única. O que temos por certo é que é tempo de passar à ação, com a implementação efetiva de programas de ação participados, que agitem mentalidades e promovam a gestão eficiente da água e antecipem cenários de crise.

Todos temos que nos assumir como protetores da água porque é na água que está a vida e o nosso futuro.

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