O apagão já cá estava

O apagão já cá estava

Apesar de décadas de enormes investimentos em renováveis, apesar do nosso pioneirismo na aposta em energia limpa, acontece o apagão e ficamos com a sensação de que andamos, mais uma vez, às apalpadelas. O mistério instala-se, o que só reforça o sentimento de que o improviso é regra.

Com tantos anos de utilização de energia renovável, sempre a integrá-la mais e mais, divulgando felizes novos recordes no seu aproveitamento, parece que ninguém se dedicou, nestes anos, a aprofundar as implicações do seu uso massivo. E não foi por falta de avisos.

Mesmo não se podendo atribuir o apagão ao excesso de renováveis no sistema elétrico, nem sequer à sua falta de inércia, os riscos deveriam estar estudados, porque são muito relevantes.

O que fez a REN, por exemplo?

Cabe à REN apresentar, em anos ímpares, uma proposta de investimentos (Plano de Desenvolvimento e Investimento da Rede de Transporte de Eletricidade - PDIRT) para programar os investimentos futuros na rede, “atualmente muito focados na transição energética e na eletrificação da economia”, como se refere no seu site. Vale a pena perguntar: que recomendações claras fez a REN a propósito da integração, sempre em crescendo, de energia renovável sem inércia na rede?

Todos sabemos que o PDIRT é uma proposta da REN, que deve ser avaliada pela Direção-Geral de Energia e Geologia, mas todos sabemos também que, tecnicamente, só a REN está em condições de avaliar o desempenho do sistema elétrico, pela natureza das suas funções e pela informação de que dispõe diariamente. Por isso, seria importante que a REN esclarecesse que alertas fez em concreto — se é que os fez. 

E que recomendações fez a REN em matéria de segurança, ao longo destes anos, quando tem um papel técnico fundamental na elaboração anual do “Relatório de Monitorização da Segurança de Abastecimento”?

Se as fez, porque é que isso não foi referido nas últimas semanas, quando se atribuía, eventualmente de forma errada, o apagão ao excesso de renováveis? Ainda recentemente, o INESC TEC, que será a entidade que mais estuda estas matérias em Portugal, veio dizer que “o colapso do sistema ibérico expôs vulnerabilidades causadas pela baixa inércia do sistema (…) fortemente apoiado por energias renováveis”.

E para acentuar o mistério e a sensação de improviso, já se anunciam enormes investimentos, nomeadamente em redes, mesmo antes de termos a noção do que se passou. Antes de se fazer o que quer que seja, seria sensato aguardar pelas análises e auditorias anunciadas, que se esperam isentas e imparciais.

Porém, a imparcialidade não parece estar garantida. Se, num caso, estamos a pedir à agência europeia de reguladores — que, no final do dia, também representa países — que estude o que se passou com imparcialidade, por outro, é a associação dos operadores das redes europeias — onde estão a REN e as suas congéneres espanhola e francesa — que está incumbida do estudo. Será que é possível esperar que o regulador francês reconheça a responsabilidade do seu país, se for esse o caso? Ou que a Red Eléctrica de España, o operador das redes do país vizinho, assuma qualquer responsabilidade direta na situação? Infelizmente, continuaremos a ter motivos de preocupação.

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