O debate que importa fazer
A recente seca de 2021/22, que ainda se prolonga no sul do país, tem colocado o tema da água no centro do debate público, representando provavelmente a única consequência positiva de um fenómeno que induz avultados prejuízos a muitos setores da nossa sociedade, com destaque para o setor agrícola. Nesse debate, alguns advogam que é urgente um investimento significativo na construção de infraestruturas de armazenamento e de transferência de água como forma de mitigar os efeitos da seca e impulsionar a agricultura em áreas com potencial ou onde predominam as culturas de sequeiro.
Embora esse investimento em novas infraestruturas possa ser necessário, ele deve ser precedido por um esforço ainda maior na melhoria da eficiência do uso da água e na promoção de outras origens de água, como é o caso da reutilização de água residuais e da dessalinização. Seria salutar que na arena pública, a par daqueles que lutam pela construção de novas barragens, surgissem vozes que clamassem pela modernização das infraestruturas de distribuição de água existentes, pela reconversão das estações de tratamento de água residuais, pela construção de novos sistemas de adução de água para reutilização e pela construção de centrais de dessalinização. E que ao exigirem o apoio do Estado, aceitassem que uma parte importante dos custos do investimento a realizar deverá ser suportada por aqueles que dele beneficiam.
Portugal sempre precisou de obras hidráulicas para atenuar a acentuada sazonalidade e variação interanual do regime de precipitação e de escoamento
Com o seu clima mediterrânico, Portugal sempre precisou de obras hidráulicas para atenuar a acentuada sazonalidade e variação interanual do regime de precipitação e de escoamento. Com o aumento da procura de água e com o aumento da variabilidade meteorológica em virtude das alterações climáticas, teremos provavelmente de construir novos empreendimentos num futuro próximo. Há também oportunidades de desenvolvimento regional que devem ser ponderadas, mesmo que precisem de água num país onde ela é escassa em certos períodos do ano.
Mas dada a magnitude dos custos económicos, ambientais e sociais desses projetos, a sua construção só deve avançar se os benefícios globais desses investimentos forem superiores a esses seus custos, incluindo os incorridos pelo ambiente e a sociedade em geral. Sendo de interesse público, o Estado deve participar nesses investimentos, mas os seus beneficiários diretos devem suportar parte desse investimento e a sua manutenção através de um sistema de tarifas de água adequado. O aumento das tarifas de água é também crucial para tornar efetivo o esforço de redução de perdas e atrativas as soluções baseadas na reutilização e na dessalinização.
O debate sobre água e sobre as melhores soluções para o futuro exige por isso uma análise profunda, que só pode ser conseguida com conhecimento e elementos quantificados sobre os custos e benefícios de cada solução. Essa avaliação é complexa, porque envolve diferentes perspetivas e a necessidade de comensurar elementos de natureza muito diversa, desde os impactos sobre ecossistemas aquáticos aos benefícios privados e sociais de desenvolvimento de uma região. No entanto, essa discussão é inevitável e deve ser conduzida com empenho e serenidade.