O impacto do veículo elétrico na gestão flexível da rede elétrica

O impacto do veículo elétrico na gestão flexível da rede elétrica

O panorama energético europeu está, e de forma irreversível, em grande transformação. Do lado da oferta, a adoção de renováveis para a produção de energia é uma realidade (45% da eletricidade produzida teve origem renovável em 2023 - Eurostat) e, num cenário de crescente necessidade de assegurar a independência energética da Europa, urge acelerar esta trajetória para tornar o sistema mais resiliente e competitivo.

Do lado da procura, entre as várias tendências em crescimento, a eletrificação dos consumos está a ganhar cada vez mais terreno face às alternativas fósseis, e esta tendência reflete-se ao nível da mobilidade com a adoção crescente de veículos elétricos (em 2023, os veículos elétricos representaram 22,7% dos registos, correspondente a 2,4 milhões de veículos - Agência Ambiente Europeia).

Estes dois lados - oferta e procura - serão cada vez mais descentralizados e diversificados, exigindo uma gestão dinâmica e flexível da rede e dos ativos que atuam sobre ela. É precisamente na flexibilidade que reside uma das principais ferramentas para tornar a gestão do sistema mais eficaz e permitir a incorporação de mais geração renovável. Neste contexto, o veículo elétrico é uma fonte de flexibilidade, acelerando a participação ativa dos consumidores no sistema energético.

No mais recente estudo da EY em parceria com a Eurelectric - “Plugging into potential: unleashing the untapped flexibility of EVs | Why smart charging is essential for a more sustainable and resilient energy system” - analisou-se a forma como o carregamento inteligente e o carregamento bidirecional (V2G) são fundamentais para a poupança de custos, a estabilidade da rede e a integração das energias renováveis.

Uma das conclusões do estudo refere que tirar partido da flexibilidade que os veículos elétricos oferecem pode reduzir significativamente o custo total de aquisição quando comparado com um veículo com motor de combustão interna, pese embora esta diferença varie de mercado para mercado. De acordo com os cálculos efetuados, considerando uma mudança de veículo a combustão para um veículo elétrico equivalente, em termos médios, em seis mercados-chave na Europa, podem alcançar-se economias anuais de 4% no segmento compacto, 9% no segmento de carros familiares e 14% no segmento dos SUV.

Por outro lado, o carregamento inteligente e o V2G não são apenas benéficos para os proprietários de veículos elétricos, porque, de um ponto de vista da rede elétrica, pode contribuir significativamente para gerir o congestionamento da rede e reduzir os custos de investimento.

De acordo com Serge Colle, EY Global Power & Utilities Leader, “até 2030, os recursos de flexibilidade em toda a Europa precisarão mais que dobrar para acompanhar um sistema de energia cada vez mais intermitente. Os veículos elétricos - já abundantes e em rápido crescimento em número - são um ativo prontamente disponível, escalável e económico para fornecer essa flexibilidade. Ao otimizar o carregamento do veículo elétrico para melhores períodos horários e permitir o carregamento bidirecional, podemos reduzir substancialmente os custos de energia para os consumidores, aliviar constrangimentos da rede e dar suporte à integração de energias renováveis ​​no sistema de energia."

Na análise efetuada pela EY, prevê-se que, até 2030, haverá mais de 50 milhões de veículos elétricos nas estradas europeias, representando 15% do parque automóvel total, e poderão contribuir com 4% do fornecimento anual de energia elétrica da Europa - o suficiente para abastecer 30 milhões de casas por ano.

Em Portugal, e de acordo com os dados do INE, dos cerca de 5,8 milhões de veículos rodoviários motorizados de passageiros presumivelmente em circulação, cerca de 2% já são veículos elétricos puros. Esta tendência tem-se acentuado nos últimos anos, com as vendas de veículos elétricos a aumentarem a bom ritmo, ano após ano. De acordo com os dados da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), foram vendidos mais de 60 mil veículos 100% elétricos em 2024, e se analisarmos os dados dos últimos 5 anos (2020-2024), o número de veículos elétricos vendidos ascende a quase 170 mil, o que perfaz cerca de 90% do total de veículos elétricos vendidos até final de 2024.

É precisamente na flexibilidade que reside uma das principais ferramentas para tornar a gestão do sistema mais eficaz e permitir a incorporação de mais geração renovável

Se as vendas de veículos elétricos aumentam, a mesma tendência se verifica ao nível dos carregamentos. De acordo com os dados da Mobi.E, o número de carregamentos ultrapassou os 6,1 milhões em 2024, verificando-se um aumento de 65% face a 2023, o que, em termos de energia, corresponde a um consumo 127 GWh, valor 78% acima do verificado no ano anterior.

Em termos de infraestrutura de carregamento, e de acordo com dados da Mobi.E, Portugal conta já com um pouco mais de 3000 postos, o que equivale a quase 5500 pontos de carregamento. Esta disseminação de postos, e de acordo com dados da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA), coloca Portugal entre os cinco países europeus com mais de 10 carregadores por cada 100 km.

Para garantir o cumprimento das metas e objetivos nacionais em matéria de energia a clima, e dado que é o setor dos transportes aquele que mais emissões de GEE emite, o PNEC 2030 refere que a mobilidade elétrica, com particular enfoque no transporte rodoviário, será fundamental para assegurar a substituição progressiva dos combustíveis fósseis e promover uma maior incorporação de fontes renováveis no consumo de energia. Para o efeito, identifica que deverá ser promovida e apoiada a introdução de veículos elétricos e reforçada a infraestrutura de carregamento nos vários níveis, bem como a bidirecionalidade e o carregamento inteligente, conforme preconizado no Regulamento AFIR relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos.

Recentemente, e em linha com o previsto no PNEC, o Governo anunciou que aprovou um Decreto-Lei que estabelece o novo Regulamento Jurídico da Mobilidade Elétrica (RJME), com o objetivo de dinamizar um novo modelo para a mobilidade elétrica em Portugal. Entre as alterações aprovadas, e ainda sujeitas a consulta pública, consta a simplificação e liberalização do carregamento, o fim da figura do CEME (comercializador de mobilidade elétrica), permitir associar autoconsumo aos postos de carregamento, introduzir a bidirecionalidade, entre outras.

Do lado da regulação, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) aprovou, em fevereiro deste ano, o projeto-piloto “Novas soluções para gestão flexível da potência de carregamento de veículos elétricos em edifícios coletivos (FlexC)”, promovido pela E-REDES. De acordo com o comunicado da ERSE, o projeto-piloto FlexC terá uma duração inicial de 6 meses e tem como objetivos testar, em ambiente real, a possibilidade de proporcionar maior potência para carregamento de veículos elétricos em garagens comuns de edifícios coletivos e aferir o grau de interesse neste novo conceito, principalmente por parte dos clientes utilizadores de veículos elétricos e dos fornecedores de soluções de carregamento.

Com um mercado crescente de veículos elétricos em Portugal, com alterações legislativas e regulamentares em curso (novo RJME, RED III, Regulamento AFIR) e com iniciativas piloto para testar novos modelos de negócio e soluções, o veículo elétrico está cada vez mais perto de ser um agente ativo no mercado elétrico nacional, capaz de prestar serviços de sistema à rede e reduzir significativamente o custo total de aquisição.

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