Para um mercado voluntário de carbono florescente em Portugal

Para um mercado voluntário de carbono florescente em Portugal

Quando o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPPC), cujos relatórios pautam a ação política na UE, concluiu de forma inequívoca que as remoções de dióxido de carbono são necessárias para alcançar zero emissões líquidas de CO2 e GEE, contrabalançando as emissões que não conseguimos evitar, ficou claro que para além de continuar o esforço para reduzir emissões é preciso também remover emissões já existentes. A par dos mecanismos obrigatórios destinados a acelerar a trajetória de redução de emissões, a regulação dos mercados voluntários de carbono subiu na fasquia das prioridades.

Ao nível europeu, a Comissão Europeia avançou com uma proposta de Regulamento para a certificação de remoções de carbono, armazenamento de carbono em materiais de longa duração e redução de emissões dos solos por atividades relacionadas com a agricultura, cuja conclusão do processo legislativo se aguarda.

Portugal antecipou-se aos esforços da UE em criar um contexto favorável ao investimento privado e voluntário em projetos de carbono e às transações seguras de créditos de carbono deles resultantes, com a publicação, em janeiro passado, de um diploma que veio instituir o mercado voluntário de carbono a nível nacional e estabelecer as suas regras de funcionamento, com o objetivo de evitar situações de greenwashing e de credibilizar os créditos gerados e transacionados ao abrigo deste regime.

Como é habitual, a plena operacionalização exige legislação complementar – em parte já publicada – e concretização de diversos aspetos materiais. Corridos dez meses da entrada em vigor do diploma, há que destacar três pontos fundamentais, ainda por concretizar, para a operacionalização do mercado voluntário de carbono em Portugal.

Aos mercados voluntários de carbono é vaticinado um crescimento exponencial nos próximos anos

Em primeiro lugar, a designação dos membros da Comissão Técnica de Acompanhamento, cuja composição foi já definida em abril deste ano, mas que até à data não teve sequência. Esta Comissão assume especial protagonismo, na medida em que a aprovação pela APA das metodologias que vão estabelecer as regras específicas para cada tipologia de projeto de carbono (florestal, agropecuário, marinho, etc.) ou a validação das metodologias submetidas por entidades interessadas depende do seu parecer prévio. Sem metodologias aprovadas, não há a possibilidade de validar e admitir projetos ao mercado voluntário de carbono. Da maior ou menor exigência que vier a resultar das metodologias (nomeadamente no que respeita à definição de uma baseline adequada ou à concretização dos princípios da adicionalidade e da permanência) dependerá um mercado credível e florescente ou, ao invés, limitado. Equilíbrio e adequação às realidades nacionais são chave para o sucesso.

Em segundo lugar, o desenvolvimento e entrada em funcionamento da plataforma digital de registo público, a ser operacionalizada pela ADENE, onde se têm de registar: os agentes do mercado (em especial, os promotores dos projetos, os verificadores externos independentes, os compradores); os projetos de carbono validados conforme as metodologias aplicáveis; as transações de créditos que se tenham realizado entre os agentes de mercado; a utilização dada aos créditos, quer para compensação de emissões, quer a favor da ação climática, e que determina a sua retirada do mercado. De notar que aparentemente a plataforma será apenas de registo e não de transação (sendo que a própria natureza jurídica do registo mereceria ainda melhor clarificação): uma vez transacionado o crédito fora da plataforma, o registo na plataforma deve ser atualizado com o nome do novo titular, ajudando a conferir segurança jurídica ao mercado.

Por fim, a publicação da portaria que regulamenta as condições e capitais mínimos para os seguros de cobertura de eventuais situações de reversão  involuntária de emissões sequestradas, que poderão suceder, designadamente, em resultado de riscos naturais (p.e. grandes incêndios, tempestades e cheias, pragas e doenças), tema essencial para conferir confiança aos investidores e estabilidade nas transações e utilizações de créditos de carbono resultantes de projetos que possam vir a ser afetados por imprevistos.

Corridos dez meses da entrada em vigor do diploma, há que destacar três pontos fundamentais, ainda por concretizar:

  • a designação dos membros da Comissão Técnica de Acompanhamento
  • o desenvolvimento e entrada em funcionamento da plataforma digital de registo público, a ser operacionalizada pela ADENE
  • a publicação da portaria que regulamenta as condições e capitais mínimos para os seguros de cobertura de eventuais situações de reversão  involuntária de emissões sequestradas

Aos mercados voluntários de carbono é vaticinado um crescimento exponencial nos próximos anos, permitindo que as empresas e outras entidades, além da mera compensação da sua própria pegada de carbono, possam contribuir para a ação climática através do financiamento de projetos de redução e de remoção de carbono por via da aquisição e retirada do mercado dos créditos correspondentes. Tal dependerá da aprovação célere de metodologias robustas e da não criação de obstáculos à participação de todas as entidades interessadas, seja na promoção de projetos, na sua verificação (exigências excessivas para os verificadores podem ferir o princípio da proporcionalidade) ou na transação dos créditos. Esta é uma oportunidade para começar a valorizar os serviços dos ecossistemas, terrestres e marinhos, que não devemos desperdiçar.

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