Parecer da ZERO sobre o PERNU 2030
PERNU – Plano Estratégico de Resíduos Não Urbanos
A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, no âmbito da audição a entidades que fazem parte da CAGER, apresenta de seguida as medidas que considera fundamental serem adotadas para se promover a melhoria da gestão dos fluxos de resíduos em causa.
1 - Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (REEE)
- Qualidade do reporte de dados
É necessário proceder a uma melhoria da qualidade do reporte de dados sobre a gestão dos REEE, uma vez que os dados que são apresentados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) não refletem a realidade nacional, sendo disso exemplo os dados relativos ao tratamento de lâmpadas fluorescentes, em que a APA aponta para um número da ordem das 700 toneladas ano, quando a realidade no terreno apenas é da ordem das 400 toneladas por ano.
- Taxa de Gestão de Resíduos
É fundamental que o valor da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) estabelecido para os incumprimentos das metas a que estão sujeitas as entidades gestoras (EG) deste fluxo seja atualizado, uma vez que o atual valor de €7,5 por tonelada de incumprimento é insignificante, face aos custos de recolha e tratamento por tonelada de algumas categorias de REEE que ascendem a várias centenas de euros. Enquanto o valor da TGR não for devidamente atualizado, vai continuar a ser mais vantajoso para estas EG não cumprirem as metas das suas licenças.
- Ecovalores
Os atuais ecovalores (valores de prestação financeira) estabelecidos para a colocação no mercado dos equipamentos elétricos e eletrónicos (EEE) não permitem às EG terem financiamento suficiente para cumprirem as metas das suas licenças. Dado que as metas dessas entidades são de recolher e tratar 65% dos EEE colocados no mercado e as EG não estão sequer a atingir uma taxa de 20%, conclui-se que para terem os recursos financeiros para cumprirem as suas obrigações, os ecovalores deveriam aumentar, pelo menos, para o triplo dos atuais.
- Recolha de frigoríficos
A taxa de recolha de frigoríficos e equipamentos similares ronda os 30%, sendo que cerca de 40% dos frigoríficos chegam às unidades de tratamento já vandalizados e sem o motor (compressor), pelo que muito do gás refrigerador já se perdeu para a atmosfera, dando origem ao efeito de estufa e consequente subida da temperatura do planeta. Para obviar a esta situação, a legislação já obriga as empresas de distribuição a recolherem o frigorífico velho quando entregam o novo e a encaminhar o velho para uma EG. No entanto, em cerca de 80% dos casos, a empresa contratada pelo distribuidor para recolher o frigorífico velho, ou não o faz, ou encaminha esse resíduo para um sucateiro ilegal, levando a que todo o gás refrigerador se perca para a atmosfera. Assim sendo, é fundamental que as autoridades ambientais promovam ações de fiscalização ao setor da distribuição no sentido de averiguar melhor quais as condições que esse setor impôs às empresas transportadoras que contrata. É que não é de todo aceitável que um distribuidor venda 100 frigoríficos novos, mas acabe por só recolher 20 usados. Outra medida fundamental para minimizar esse desvio dos frigoríficos velhos para os canais ilegais seria o estabelecimento de um incentivos económico, a pagar pelas EG, de forma a premiar os consumidores que devolvam o frigorífico velho. Como esse incentivo obrigaria a um registo formal relativo à decisão do consumidor, já não seria mais possível às empresas transportadoras continuar a desviar os frigoríficos velhos para destinos ilegais. Em relação a este assunto, a ZERO foi informada pela APA que existia a intenção de estabelecer esse incentivo, mas que o valor do mesmo seria encaminhado para instituições de solidariedade social. A ideia parece muito nobre, mas o efeito prático em termos ambientais deve ser nulo ou perto disso, uma vez que a maior parte dos consumidores reagirão certamente mais a um incentivo económico para si do que a uma situação de altruísmo em que não têm nenhum benefício monetário direto, para além de que, em alguns casos, são as próprias empresas transportadoras que compram ilegalmente o resíduo ao consumidor.
- Mecanismo de alocação e compensação entre EG
É fundamental que o mecanismo de alocação e compensação (MAC) entre EG seja mais eficaz, pois só assim se promoverá uma concorrência saudável entre essas entidades. O modo de funcionamento atual do MAC peca essencialmente por dois motivos: - Demora na avaliação dos dados relativos à alocação e compensação pela entidade responsável pela realização dessa avaliação - Possibilidade de uma EG contestar a avaliação feita e, deste modo, parar todo o processo de compensação, desvirtuando o seu objetivo original Face a estas duas situações, espera-se que com a decisão de responsabilização da ERSAR de fazer a avaliação do MAC, a situação melhore em termos de celeridade do processo. No entanto, terá forçosamente de haver uma alteração legislativa de forma a impedir que as EG possam parar o processo de compensação, como o fazem atualmente. Ou seja, a legislação deveria ser alterada de forma que a EG fosse obrigada primeiro a pagar a compensação, nem que fosse ao Estado que depois a transferiria para a EG a compensar, e só depois poderia contestar a decisão da entidade que fez a avaliação do MAC correspondente.
- Separação de plásticos bromados e POPs
Várias das categorias de plásticos que compõem os REEE incluem plásticos bromados (com retardadores de chama) e POPs, nomeadamente as categorias 2, 3 e 4 e toners. No entanto, não se tem verificado uma separação significativa dessas frações nas operações a que os REEE têm sido sujeitos em Portugal, pelo que é necessário que as autoridades ambientais controlem mais de perto esta situação, de forma que os plásticos perigosos para a saúde e o ambiente seja devidamente removidos e tratados.
- Recolha de REEE por operadores de gestão de resíduos (OGR)
A baixa taxa de recolha de REEE que tem caracterizado a atividade das EG poderia facilmente aumentar, caso estas entidades recorressem, como a lei lhes permite, aos canais de recolha legais que podem ser desenvolvidos pelos OGR. Porém, em muitos dos casos, as EG pagam melhor à distribuição pela recolha de REEE do que aos OGR, apesar da distribuição já ser obrigada a fazer a recolha dos REEE. Assim, sugere-se que as tabelas de pagamento pela recolha de REEE estabelecidas pelas EG a entidades privadas, como os OGR e a distribuição, passem a ser iguais.
2 - Aterros para resíduos industriais não perigosos
Os aterros de resíduos industriais não perigosos continuam a receber grandes quantidades de resíduos biodegradáveis, provocando a libertação de gás metano para a atmosfera, com o inerente efeito de estufa, assim como a disseminação de maus cheiros e risco de poluição das águas superficiais e subterrâneas. Para além do facto de que esses resíduos orgânicos deveriam ser aproveitados para a produção de composto e fertilização dos solos portugueses que são muito pobres em matéria orgânica. É, pois, fundamental que seja estabelecido um prazo para que todos os aterros deste tipo deixem de poder depositar nas suas células resíduos orgânicos não estabilizados e, desta forma, instalarem unidades de prétratamento, nomeadamente mecânico e biológico, as quais também permitiriam a recuperação de alguns materiais recicláveis que ainda estão presentes nos resíduos rececionados nesses aterros.
3 - Embalagens
É urgente que entre em funcionamento o sistema de responsabilidade alargada do produtor (RAP) para os milhares de toneladas de embalagens que são colocados nos aterros dos resíduos industriais não perigosos porque, apesar de serem recicláveis, acabam por não ser recolhidas seletivamente dado que não existe um apoio de um sistema de RAP.
4 - Licenças CIRVER
Espera-se que o Governo não permita a gestão fora dos CIRVER das tipologias de resíduos que atualmente são encaminhadas para estas unidades. A ZERO concorda com a liberalização do mercado, mas desde que seja para a instalação de novos CIRVER e não de unidades de tratamento de resíduos perigosos avulso, como seja o caso de aterros para resíduos industriais perigosos. Só desta forma se evitará a possibilidade de encerramento dos CIRVER e consequente redução da autossuficiência do país, assim como a proliferação de aterros para resíduos perigoso, com os inerentes riscos ambientais.
5 - Solos contaminados
Espera-se que seja ainda nesta legislatura que a legislação PRoSolos acabe por ser publicada, passados 8 anos depois de ter estado em consulta pública em 2015 e de ter sempre recebido apoio por parte da generalidade dos setores da sociedade, para além de ter levado a que a Assembleia da República, por três vezes, tenha recomendado ao Governo a sua publicação.
6 - Amianto
Face à atual escassez de destinos legais para os resíduos de amianto não friável é fundamental que sejam tomadas medidas visando a instalação de células de aterros destinadas a estes resíduos, mas nas quais não sejam depositados resíduos biodegradáveis, dado essa operação ser proibida na legislação comunitária, dado o risco de potenciar a libertação de fibras de amianto para a atmosfera.
7 - Venda ilegal de peças de automóveis usadas
Tem-se verificado o desenvolvimento da venda online de peças de automóveis usadas sem que exista uma demonstração da origem dessas peças, a qual obrigatoriamente deveria ser uma empresa licenciada para o desmantelamento de Veículos em Fim de Vida (VFV). Deste modo, estão a proliferar no mercado operadores ilegais que removem peças de VFV, as colocam à venda online, sem que haja qualquer informação como foi feita a gestão desse VFV. Esta situação, para além de ser ilegal e trazer riscos para o ambiente, tem vido a prejudicar seriamente os desmanteladores legais que, assim, veem os seus investimentos na qualidade ambiental da sua operação serem totalmente infrutíferos em termos comerciais. Deste modo, é fundamental que a APA e a ASAE se articulem para pôr cobro a estas situação, de modo que deixe de ser possível anunciar online a venda ilegal de peças de automóveis usadas.
8 - Plásticos resultantes da fragmentação de VFV
É importante que se torne prática obrigatória a separação dos plásticos resultantes da fragmentação dos VFV, enviando para coincineração os que possuem POPs e retardadores de chama e para reciclagem os restantes.
9 - Lamas de ETAR domésticas
Depois de uma denúncia da ZERO evidenciando que, através da análise dos dados das eGAR, uma grande quantidade de lamas de ETAR domésticas estava a ser encaminhada para operações de armazenamento (R12 e R13), não existindo, no entanto, qualquer tipo de informação sobre o destino final das mesmas, verificou-se, no semestre seguinte, o aumento em cerca de 300 mil toneladas no registo do envio destas lamas para unidades de valorização orgânica, nomeadamente compostagem. Este aumento súbito da capacidade de compostagem em Portugal levanta muitas dúvidas, pelo que seria fundamental que a APA, com o apoio das CCDR, levasse a cabo um levantamento da situação e verificasse, através dos balanços de massas, se essas unidades de compostagem efetivamente trataram as quantidades de lamas que estão a declarar.
10 - Resíduos de construção e demolição (RCD)
Presentemente existe a obrigatoriedade de as obras públicas incorporarem 10% de materiais reciclados, o que cria um potencial para a utilização de vários matériais, nomeadamente inertes, resultantes da reciclagem dos RCD. No entanto, não se conhece qual o resultado prático dessa obrigação legal, uma vez que não há informação disponível sobre este assunto. É, pois, fundamental que a APA crie um sistema de recolha e processamento dessa informação, de forma a se conhecer qual o impacte da legislação e, caso se justifique, delinear medidas no sentido do seu cumprimento. A ZERO tem verificado que os responsáveis por algumas obras públicas têm tido dificuldade em obter materiais recicláveis para incorporação da obra, uma vez que muitos dos materiais disponíveis não têm uma certificação sobre a taxa de incorporação de materiais reciclados. Deste modo, era importante que a APA, juntamente com as entidades que regulam as obras públicas, organizassem uma base de dados sobre os materiais reciclados disponíveis no mercado e que podem ser utilizados nas obras de construção civil. O licenciamento das obras pelas autarquias pode ser uma forma muito interessante de promover a boa gestão dos RCD. Assim, sugere-se que os regulamentos municipais de urbanismo passem a obrigar à seguinte prática: - Antes de ser dada licença de construção pela autarquia, o dono da obra deveria apresentar uma estimativa da produção de RCD, assim como indicação sobre o destino licenciado para onde pretendia enviar esses resíduos; - Após a conclusão da obra, a licença de utilização só deveria ser emitida após demonstração do encaminhamento legal dos RCD produzidos.
11 - Movimento transfronteiriço de resíduos (MTR)
Continuam as dificuldades da APA em disponibilizar atempadamente o relatório sobre o MTR, sendo que os dados mais recentes se referem a 2020. É fundamental que este organismo faça um esforço para melhorar a transparência, divulgando dados o mais atualizados possível sobre o MTR e outras informações relevantes.