PERSU 2030: As mesmas receitas darão resultados diferentes?
Âmbito do PERSU 2030
O PERSU 2030 consiste numa estratégia para a gestão dos Resíduos Urbanos (RU) em Portugal Continental, no entanto, as metas comunitárias de preparação para reutilização e reciclagem de RU estão estabelecidas para os países e não para partes dos países. Assim sendo, este PERSU não responde ao problema nacional, ignorando o que está a ser feito nas regiões autónomas, nomeadamente o facto de nessas regiões já existir uma capacidade excedentária de incineração que pode impedir o cumprimento das metas, o que é agravado pelo novo projeto de incineração agora proposto para a ilha de São Miguel nos Açores.
Prevenção da produção de resíduos
Este PERSU 2030 deixou cair as metas de redução da produção de resíduos, propondo apenas o não aumento dos RU, o que está em total contradição com os objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, os quais incluem a redução para metade do desperdício de alimentos e a geração de resíduos por meio da prevenção, redução e reutilização.
O facto de várias metas de reutilização de embalagens, já previstas na legislação nacional, não serem referidas no Plano também parece demonstrar que não são para levar a sério em termos do planeamento da gestão dos resíduos urbanos.
Recolha seletiva
Na recolha seletiva, este PERSU continua a não reconhecer a necessidade urgente da substituição dos ecopontos pela recolha porta a porta, apesar das inúmeras evidências das vantagens desta última, chegando mesmo a considerar uma “ampliação e modernização dos sistemas de contentorização existentes (ecopontos)”.
E o problema é que o erro que foi cometido no passado, com a aposta nos ecopontos, corre o risco de ser repetido para a recolha seletiva dos biorresíduos, o que vai impedir um efetivo aumento da reciclagem dos RU.
Não se compreende, também, que neste PERSU se identifiquem investimentos para as infraestruturas em alta, mas não para as medidas visando a prevenção ou a recolha seletiva.
Tratamento em alta
Em relação a este ponto, não se prevê o aumento da capacidade das unidades de incineração da Lipor e da Valorsul, o que é uma boa notícia, tendo em conta que estes são os dois maiores sistemas de gestão de resíduos urbanos (SGRU) do país e que têm apresentado taxas de reciclagem abaixo das metas comunitárias, pelo que a não ampliação desses incineradores irá obrigar estes sistemas a aumentar a reciclagem
Em sinal contrário, temos a confirmação de que serão usadas verbas do PRR para financiar unidades de valorização energética de resíduos (pirólise/gaseificação), o que constitui um desvio inaceitável de fundos públicos que deveriam ser aplicados na prevenção e na reciclagem.
Instrumentos económico-financeiros
O PERSU 2030 reconhece que os diversos instrumentos económico-financeiros que regulam a gestão dos RU não têm ajudado a país a descolar das fracas taxas de reciclagem.
Assim, é fundamental:
- Avançar com o PAYT, mas para isso tem de haver recolha porta a porta
- Subir os ecovalores e, consequentemente, os valores de contrapartida
- Subir a TGR pelo incumprimento das metas das entidades gestoras das embalagens e dos REEE
- Avançar com o sistema de depósito e retorno para as embalagens de bebidas e para outros fluxos
- Subir a TGR pelo envio de resíduos recicláveis para aterro ou incineração
- Reduzir ao mínimo o custo da entrega de biorresíduos da recolha seletiva
Dados
O PERSU 2030 insiste na tese de que todos os biorresíduos que entram nos TMB devem contar para reciclagem, leitura que é ilegal, além de constituir um grave erro técnico.
É ilegal, porque uma decisão da Comissão Europeia de 2011 estabelece que só podem contar para as taxas de reciclagem os biorresíduos que são sujeitos a tratamento biológico, dão origem a composto e esse composto é utilizado para melhoramento do solo.
É tecnicamente errado, porque nem todos os biorresíduos que entram no tratamento mecânico acabam por ser encaminhados para o tratamento biológico e porque nem todos os biorresíduos sujeitos a tratamento biológico são transformados em composto que é aplicado no solo.
Com este subterfúgio, este PERSU aponta para uma taxa de reciclagem muito superior à real.
Em relação aos dados de 2021, apesar de apenas terem sido reciclados 21% dos resíduos urbanos (14% reciclagem multimaterial e 7% reciclagem orgânica), o facto é que a APA acaba por indicar que no continente foram reciclados 33% dos RU, o que está completamente errado.
Também se verificam grandes discrepâncias entre as embalagens de plástico declaradas e os valores das quantidades de embalagens de plástico obtidos através da caracterização dos resíduos urbanos, os quais são cerca de 3 vezes superiores aos das embalagens de plástico declaradas.