
Por água abaixo
Foi recentemente divulgado um estudo coordenado por Rodrigo Proença Oliveira que atualiza, para o ano de 2021 e seguintes, o estado das águas em Portugal. Os resultados chocam pelos valores que apresentam, mas não surpreendem.
O país tem vindo a tomar consciência progressiva da fragilidade da sua condição perante um recurso tão vital como a água. E não só vital, como esquivo. Refiro-me à paradoxal posição que os recursos hídricos têm na nossa sociedade, onde são cada vez mais exigidos e pressionados, mas também cada vez menos claros na opinião e nas culturas públicas. Convém lembrar que chegámos à revolução democrática em 1974 apenas com 50% de população abastecida. Ora, os sistemas modernos de abastecimento com os seus prodigiosos benefícios, criaram também uma condição propícia à distração pública relativamente à agua, aos seus usos e às suas origens. As canalizações escondidas nas paredes, as torneiras fáceis de abrir e fechar, trouxeram os enormes benefícios de higiene, segurança e conforto, mas deixaram-nos distantes e desatentos às limitações e exigências deste recurso vital que é a água.
Daí a importância da divulgação de estudos como este, pelo qual muitas pessoas terão ficado ainda surpreendidas ao serem informadas de coisas como: o acentuado declínio recente do recurso em Portugal (em 20 anos menos 20%).
Ou do cenário de escassez extrema de rios como o Mira. Ou da desproporção entre usos agrícolas (70%) e usos de abastecimento doméstico (13%). Este último facto nos tempos atuais tem, aliás, uma tradução social muito desigual: as políticas de poupança de água dirigem-se fortemente aos consumidores domésticos, o que em si mesmo é correcto. Contudo, não se tem visto o mesmo empenho relativamente aos grandes consumidores agrícolas. Se algumas produções manifestam um esforço pela racionalização do uso, o facto é que o aumento absoluto do número e volume das utilizações agrícolas e o alargamento imparável dos perímetros de rega, anulam completamente o efeito de alerta que este estudo traz. E é em alerta que temos de estar.
A água é um bem comum estratégico e vital, e é a sociedade no seu todo que tem de estar informada, advertida, atenta, mobilizada e exigente em tudo o que se passa com ela.
Só um trabalho persistente de informação rigorosa e mobilização cívica, poderá assegurar a reaproximação da nossa sociedade, à água como facto social e à vasta cadeia de consequências que, de forma inevitavelmente desigual, a sua escassez futura irá agravar.