Porque não apostar num controlo mais apertado das exportações?

Porque não apostar num controlo mais apertado das exportações?

Num sistema de economia circular, aquela que em Portugal se apregoa, mas não se pratica, os resíduos deixam de ser encarados como lixo, para passar a ser considerados e geridos como aquilo que verdadeiramente são: recursos, matérias-primas que dão origem a produtos.

A proibição de exportar resíduos perigosos para países exteriores à OCDE, aparentemente votada no início deste mês no Parlamento Europeu, parece ter, pelo menos, um objetivo bondoso: conter os resíduos em países nos quais exista capacidade atestada para fazer esta mudança que referimos acima (economia circular), e tratar estes resíduos como produtos ou matérias-primas, evitando que sejam endereçados para países que os tratem apenas como lixo. O princípio é bondoso e positivo.

Estamos a falar de matéria-prima, com valor económico, ao qual está associado o custo da circulação mundial. Ora, não estará a União Europeia, usando uma prerrogativa bem ao jeito do antigo conceito das “nações civilizadas” - cujo espírito alumia outras que o não são -, a perturbar irremediavelmente o livre comércio internacional, ora desconfiando da capacidade presente e futura de os países exteriores à OCDE se industrializarem no domínio da gestão de resíduos, ora liquidando-os como parte importante na globalização e no livre comércio? Não esquecemos que, até aqui, muitos países asiáticos recebiam a custo relativamente baixo elevadas toneladas de resíduos e, nalguns destes países, davam origem a muitos outros produtos.

Ao estabelecer, como tanto gosta, uma proibição baseada em tal presunção da preocupação pela qualidade do tratamento, porque não obrigar antes a um controlo mais apertado das exportações?

 

Em breve, Portugal enfrentará uma antiga realidade:  o regresso dos resíduos à sua condição de “lixo”, abandonado

No contexto de um país como Portugal, que vive na doce ilusão de que a prevenção de resíduos funciona a 200% e que está convencido de que a capacidade de gestão de resíduos é suficiente e que não precisa de ser rapidamente aumentada, tudo isto soa a uma música que só toca para os outros. Portugal, mesmo para o não perigoso, não tem boas soluções de separação e aproveitamento, tem sérios problemas com a elevada percentagem de “fração-resto”, acrescida pela enorme dificuldade em os exportar com valor acrescentado. Em breve, Portugal enfrentará uma antiga realidade:  o regresso dos resíduos à sua condição de “lixo”, abandonado, sem qualquer controlo ou condições. E Portugal é um dos países da OCDE. Ou criamos condições objetivas para tratarmos nós, combatendo o efeito NIMBY e com organizações públicas fortes e estrategicamente alinhadas, ou em breve teremos um enorme problema para resolver.

 

Estamos curiosos para ver o resultado de uma regulação comercial que põe a receber resíduos quem não gosta deles [e] não os deixa ser recebidos por quem os quer receber, aproveitar e valorizar

Estamos curiosos para ver o resultado de uma regulação comercial que põe a receber resíduos quem não gosta deles e nem quer ouvir falar deles — ainda por cima, como Portugal, que introduziu proibições à sua importação —, não os deixa ser recebidos por quem os quer receber, aproveitar e valorizar. Mesmo que tenha capacidade para isso!  

Fechar os olhos, assobiar para o lado nunca foi uma boa opção. Porque há proibições que só agravam problemas em vez de os resolver!

 

Carlos Conceição, Presidente da APERA - Associação Portuguesa de Empresas de Resíduos e Ambiente.

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