Portugal e o lítio - competitivos num mercado mundial em constante mudança?

Portugal e o lítio - competitivos num mercado mundial em constante mudança?

A Comissão Europeia aprovou, em março de 2025, 47 projetos estratégicos em toda a União Europeia (UE) para reforçar as capacidades nacionais no setor das matérias-primas críticas (CRM) no âmbito do Critical Raw Materials Act (CRMA).

Num quadro mundial de competição por minerais estratégicos e vitais para a transição energética, para a eletrónica entre outros setores económicos, o CRMA tem por objetivo garantir o acesso da UE a um “abastecimento seguro, diversificado, acessível e sustentável de matérias-primas críticas”. São atualmente 30 as CRM listadas que são simultaneamente de alta importância para a economia europeia e com alto risco potencial associado ao seu fornecimento. Um deles é o lítio (Li), que tem merecido atenção em Portugal. De entre os projetos anunciados, quatro estão em Portugal e três focam o Li. Porquê estes três projetos e porquê em Portugal?

Para tal, interessa entender que o risco de abastecimento de Li é influenciado, por um lado, pela elevada concentração de países produtores e, por outro lado, devido ao funcionamento dos mercados em que é transacionado. Em termos de produção primária, a Austrália é responsável por cerca de 43% da produção de Li mundial, seguida pelo Chile com 32% e a China com 17%. Este panorama não se altera substancialmente à escala global em termos de produção de concentrados de Li. Portugal é o maior produtor primário de Li na UE e foi o 9.º maior produtor mundial em 2024 (em volumes substancialmente inferiores aos dos gigantes Austrália, Chile ou mesmo o Brasil). As maiores reservas mundiais de Li situam-se no Chile, Austrália, Argentina, China, EUA, Canadá, Zimbabwe, Brasil e, novamente, aqui em Portugal. Somos o 9.º país do mundo com as maiores reservas conhecidas e o maior da UE neste ranking. Atualmente, produzimos Li a partir de pequenas minas de depósitos pegmatíticos na forma de matérias-primas cerâmicas. Será que podemos passar a extrair e a processar Li para baterias?

Portugal é o maior produtor primário de Li na UE e foi o 9.º maior produtor mundial em 2024

Além destas estatísticas, o outro fator determinante no risco de abastecimento é o funcionamento do mercado. E o mercado global de Li é ainda relativamente pequeno com um número reduzido de players relevantes, onde se destacam empresas como Albermale (EUA), SQM (Chile), Tianqi Lithium Corp (China) e FMC (EUA). É muito dinâmico com grande volatilidade de preços. As transações não se verificam numa “bolsa” como para o níquel ou cobre, mas sim via contratos bilaterais entre grandes empresas que apenas voluntariamente publicam as condições nos seus contratos. Quando escrevo, já sabemos que, durante 2024, os preços Li desceram consideravelmente na China, nos EUA e na Austrália, devido, entre outros fatores, a preocupações com risco de excesso de oferta no mercado.

A este quadro junta-se o facto de que a procura global por Li para baterias deverá aumentar em 2040 em cerca de 14 vezes face a 2020. Acresce que a oferta das matérias-primas processadas e dos componentes para baterias é atualmente controlado por oligopólios, maioritariamente na China. Antecipa-se maior diversificação nos fornecedores de lítio refinado, mas mesmo com os investimentos previstos até 2030 a procura por Li para baterias deverá exceder a capacidade mundial de fornecimento. Mesmo no período pós 2030-2040, e tendo em conta novos investimentos que possam surgir, existem preocupações quanto à disponibilidade de Li processado. Deverá, assim, haver espaço para novos fornecedores, ágeis e que se saibam posicionar e jogar com todas as suas vantagens competitivas. Será Portugal um destes?

Têm vindo a ser estabelecidas parcerias e joint ventures entre empresas na área de tecnologia e na área da exploração mineira para garantir um fornecimento seguro de Li. Surgem diversos projetos um pouco por todo o mundo, visando a abertura de novas áreas de extração de Li. No entanto, muitos destes foram adiados ou mesmo cancelados em 2024 devido aos preços baixos do Li. Há um risco associado ao investimento nestes projetos e um tempo de espera entre as primeiras etapas e a entrada em funcionamento, que pode chegar a 12 anos.

Somos o 9.º país do mundo com as maiores reservas conhecidas e o maior da UE neste ranking. Atualmente, produzimos Li a partir de pequenas minas de depósitos pegmatíticos na forma de matérias-primas cerâmicas. Será que podemos passar a extrair e a processar Li para baterias?

Voltando aos três projetos estratégicos de Li Portugueses anunciados, dois estão relacionados com novas áreas de extração de Li, nomeadamente nas zonas do Barroso e Romano, e o terceiro com processamento, referindo-se à recentemente anunciada refinaria de lítio Lift One prevista para Estarreja. A combinação de projetos de extração com a refinação permite reforçar as capacidades nacionais (e da UE) ao longo de todas as fases da cadeia de valor. De referir também a prevista fábrica de baterias da CALB em Sines e o fabrico de veículos elétricos em Portugal, na Autoeuropa e na Stellantis. Apenas está em falta a reciclagem de baterias para se poder ter em Portugal todas as peças que permitem cumprir com todas as metas do CRMA: que a extração, o processamento e a reciclagem de CRM atinjam, respetivamente, 10%, 40% e 25% da procura da UE.

Não nos devemos, no entanto, esquecer que a implementação destes projetos é um enorme desafio. Temos recursos importantes de Li, mas a sua competitividade para aplicações mais nobres depende dos seguintes fatores: (i) grau de conhecimento geológico do recurso; (ii) custos de exploração; (iii) capacidade de se efetuar o processamento do minério localmente, (iv) opções e custos de transporte até ao utilizador final. Por último, e não menos importante, a contestação social aos projetos de prospeção e exploração revela a necessidade de maior transparência e comunicação. Somos capazes de ser competitivos? Quero crer que sim, mas temos de trabalhar em conjunto e em muitas frentes. Algumas delas: apostar em I&D, melhorar a aceitação e garantir um serviço geológico robusto.

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