Precisam-se novos modelos económicos de gestão de resíduos

Precisam-se novos modelos económicos de gestão de resíduos

Para se alcançarem as ambiciosas metas de reciclagem dos resíduos urbanos (RU) será necessário recorrer a todas as ferramentas que estão à nossa disposição, sendo que as normalmente mais apontadas são a sensibilização da população e o sistema de recolha seletiva.

No entanto, tem sido sistematicamente esquecido que a montante dessas ferramentas existe uma condicionante que está a minar o sucesso da aplicação dessas medidas e que consiste nos modelos económicos errados que atualmente estão subjacentes às várias fases da gestão dos RU e que aqui procurarei sistematizar:

1 – Valor de contrapartida pago pela recolha e triagem de embalagens

Através do modelo económico, em que se tem baseado o funcionamento do sistema de responsabilidade alargada do produtor (RAP) aplicado às embalagens e resíduos de embalagens, esperava‑se que os custos acrescidos que as autarquias e os Sistemas de Gestão de RU (SGRU) têm com a recolha seletiva e a triagem de embalagens fossem anulados pelos valores de contrapartida pagos pelas entidades gestoras deste fluxo. No entanto, só em 2020, segundo dados da ERSAR, as autarquias inseridas nos SGRU da EGF tiveram um prejuizo de cerca de 20 milhões de euros, estimando‑se que no caso dos sistemas intermunicipais esse valor tenha rondado os 15 milhões, prefazendo um prejuizo anual da ordem dos 35 milhões de euros. Ou seja, com o modelo atual, quantas mais embalagens se recolherem, maior é o prejuizo para as autarquias.

2 – Maioria das embalagens de plástico colocadas no mercado não paga ecovalor 

De acordo com dados da APA, as embalagens de plástico constituem cerca de 9,2% dos resíduos urbanos em peso, mas, de acordo com os dados divulgados pelas entidades gestoras do SIGRE, apenas 1 terço dessas embalagens (160 mil toneladas) pagou ecovalor, o que, para além de indiciar uma situação de fraude generalizada, significa que cerca de 320 mil toneladas de embalagens de plástico não têm pago o ecovalor (cerca de €250 por tonelada), o que corresponde a uma perda de receita para o SIGRE da ordem dos 80 milhões de euros por ano.

3 – Taxa de gestão de resíduos paga por incumprimento pelas entidades gestoras de fluxos é insignificante

A atual Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) paga pelas entidades gestoras de fluxos, por incumprimento das suas metas, corresponde a 33% da TGR paga pela colocação de resíduos em aterro, ou seja tem um custo de aproximadamente €7 por tonelada. Se tivermos em atenção que o ecovalor das embalagens de plástico ronda os €250 por tonelada e o dos equipamentos elétricos e eletrónicos os €50 por tonelada, facilmente se conclui que a não reciclagem de uma tonelada de embalagens de plástico resulta num lucro para a entidade gestora de €243 (€250‑€7) e para as dos REEE de €43 por tonelada de incumprimento na recolha deste fluxo.

4 – TGR não incentiva suficientemente o desvio de recicláveis de aterro ou incineração

Os resíduos urbanos que atualmente são enviados para aterro ou incineração ainda são maioritariamente constituídos por materiais recicláveis. No entanto, no caso do aterro, a TGR atualmente em vigor (€22) não tem sido suficiente para induzir boas práticas nas autarquias e nos SGRU que permitam o cumprimento das metas de reutilização e reciclagem. Pior situação ainda é a da TGR aplicada aos resíduos urbanos enviados para incineração (€5,5), a qual manifestamente não tem um valor suficientemente alto para inibir esses SGRU de enviarem para incineração quantidades muito significativas de resíduos recicláveis.

5 – Fundo Ambiental apoia incineração em vez da reciclagem

Em 2015 foi publicada legislação que reservava parte da receita da TGR para premiar, proporcionalmente, os SGRU que apresentassem o melhor desempenho na reciclagem. No entanto, posteriormente, com a passagem dessas verbas para o Fundo Ambiental, esse prémio deixou de ser atribuído, perdendo‑se assim uma excelente oportunidade para, através da TGR, fomentar as boas práticas na gestão dos RU. Por outro lado, foi ainda estabelecido que o Fundo Ambiental iria financiar a incineração de RU até 2024, ao arrepio da necessidade urgente do país canalizar as verbas disponíveis para fomentar políticas que permitam atingir as exigentes metas de reciclagem estabelecidas para os próximos anos. 

6 ‑ Atraso no sistema de depósito/ retorno para embalagens de bebidas

O sistema de depósito/retorno para embalagens de bebidas, aprovado pelo Parlamento em 2018, continua sem ver a luz do dia, apesar de ser uma ferramenta económica excelente para promover a reciclagem destes resíduos.

7 ‑ PAYT a marcar passo

Face aos inadequados modelos económicos de gestão de RU, são evidentes as dificuldades dos municípios em avançarem para o PAYT por não terem a certeza de que serão devidamente ressarcidos de nvestimentos que façam na recolha seletiva, acabando geralmente por se inibir de fazer a substituição dos ecopontos pelo porta‑a‑porta (necessária ao PAYT) ou de indexar a tarifa do lixo à produção de resíduos e não ao consumo de água.

Em resumo, temos um sistema nacional de gestão de resíduos urbanos cujo modelo económico funciona ao contrário dos desígnios da economia circular, implicando muito trabalho do Ministério do Ambiente para mudar este estado de coisas. Assim haja vontade.

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