Recolha Seletiva de Têxtil e Responsabilidade Alargada do Produtor: uma análise
O Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR) estabelece que “até 1 de janeiro de 2025, as entidades responsáveis pelo sistema municipal de gestão de resíduos urbanos disponibilizam uma rede de recolha seletiva” para os resíduos têxteis. O objetivo é desviar de aterro e de incineração estes materiais, promovendo a sua reutilização e reciclagem, com os benefícios ambientais que daí decorrem.
Já existem, em muitas regiões de Portugal, iniciativas de recolha seletiva de têxteis. Estas operações são levadas a cabo por atores privados, tais como a Humana Portugal, associação que dirijo. É a revenda da roupa usada – sobretudo da fração reutilizável – que cobre os custos da recolha e triagem, garantindo a viabilidade económica da atividade. Este modelo não garante a prestação de um verdadeiro serviço público. Os territórios de baixa densidade populacional dificilmente serão cobertos, porque não é rentável percorrer dezenas de quilómetros para recolher apenas alguns quilos num contentor. Não existem números oficiais, mas estimamos que apenas cerca de 12% dos têxteis descartados em Portugal sejam recolhidos seletivamente. A média europeia, baixa, é de 22%.
É urgente recolher mais; mas recolher mais tem custos. E levanta o problema da capacidade de processamento adequado desses materiais. Como garantir que são devidamente triados? Como assegurar mercado para a fração reutilizável, e capacidade de absorção da fração não reutilizável pela indústria da reciclagem?
É para dar resposta a estes desafios que a UE está a rever a sua Diretiva-Quadro de Resíduos (DQR) e planeia introduzir um regime de Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP) no setor têxtil. De futuro, quem colocar têxteis no mercado terá de pagar uma taxa que servirá para cobrir os custos associados à gestão do fim de vida dos mesmos.
Não tenhamos ilusões: enquanto a RAP não estiver em vigor, poucos serão os municípios interessados em avançar com a recolha seletiva desta fração, se a mesma acarretar custos extra. A Associação Nacional de Municípios Portugueses já lamentou que o Fundo Ambiental não contemple, este ano, qualquer verba para a implementação da recolha seletiva do fluxo de resíduos têxteis. Parece que também o Governo aguarda que a futura Diretiva-Quadro passe definitivamente a bola para os produtores e distribuidores.
No geral, o texto que está atualmente em cima da mesa em Bruxelas parece-nos uma boa base para promover uma justa operacionalização e distribuição de responsabilidades:
- É reiterada a primazia do princípio da hierarquia dos resíduos;
- É determinada a criação de regimes harmonizados de RAP, com regras consistentes e padronizadas para todos os Estados-membros;
- É reconhecido o papel preponderante das entidades de cariz social nos processos de gestão de têxteis usados e estipulada a sua preservação;
- Está prevista a modulação das taxas em função de critérios de conceção ecológica como a durabilidade e reparabilidade, o que permite agir a montante da cadeia de valor.
Consideramos, no entanto, que o texto deixa a desejar em alguns pontos, nomeadamente:
- A governança dos regimes de RAP. Os órgãos sociais das futuras entidades gestoras deveriam, obrigatoriamente, contar com a representação de operadores de recolha e triagem;
- Metas. Lamentamos que não tenham sido estabelecidas metas para a recolha ou reutilização a nível da UE.
Está previsto um prazo de 18 meses para a estabelecimento da RAP após entrada em vigor do texto. É relativamente célere, no contexto europeu, mas longo para o que a sociedade percebe já como uma urgência. Não estamos de mãos atadas, há muita coisa que podemos fazer, entretanto. Em Portugal temos muito caminho a percorrer em termos de interconhecimento e colaboração entre as diferentes entidades da cadeia de valor do têxtil e calçado. Estamos perante uma oportunidade única de promover a produção e consumo sustentável num setor-chave. O desafio é grande, mas entre todos há imensa experiência e visão. Sejamos ousados.