
Regulamento Embalagens e o potencial para se fazer mais e melhor
A entrada em vigor do Regulamento relativo a Embalagens e Resíduos de Embalagens, que ocorreu no passado dia 11 de fevereiro (após a sua publicação no Jornal Oficial a 22 de janeiro) traz consigo oportunidades e desafios, mas também as marcas de lóbis bem orquestrados, no sentido de enfraquecer as medidas de prevenção da produção de embalagens e de excluir, de algumas obrigações, certos materiais (como é o caso do papel).
O que os dados oficiais nos demonstram é que, em 2022, cada cidadão europeu produziu em média 186,5 Kg de resíduos de embalagens (Portugal está ligeiramente acima, com 188 Kg) e que, na última década, a produção destes resíduos aumentou cerca de 20% no espaço da União Europeia, muito acima do crescimento económico. O papel representa, atualmente, 41%; o plástico, 19%; o vidro, 19%; a madeira, 16%; e o metal, 5% deste universo. A evolução na última década foi de uma subida de cerca de 21% para o papel, 30% para o plástico, 16% para o vidro, 20% para a madeira e 7% para o metal.
É na inversão desta tendência de crescimento que se espera que este Regulamento venha a ser eficaz. Esse objetivo está bem expresso nas metas de redução da produção de resíduos de embalagens que o documento contém, nomeadamente, de pelo menos 5% até 2030, 10% até 2035 e de 15% até 2040 (tendo por referência o ano de 2018). Contudo, fruto do forte lóbi da indústria do descartável contra as medidas que podem contribuir para esta meta, o texto do Regulamento reconhece que o que está previsto em termos de medidas na área da redução, reenchimento e reutilização não será suficiente para as atingir. Assim, é dado espaço aos Estados-Membros para manterem legislação nacional em vigor e introduzirem medidas complementares que lhes permitam, no mínimo, cumprir as metas, mas podendo ir mais além. Aliás, o texto é claro: as metas aí expressas são o mínimo, não o máximo, a que os Estados-Membros podem ambicionar.
O Regulamento vai mais longe e sugere outras medidas que podem ser implementadas, embora sublinhe a necessidade de estas serem proporcionais e não deverem resultar em barreiras injustificadas ao mercado único.
Por exemplo, os Estados-Membros podem estabelecer objetivos de reutilização mais elevados, ou novos objetivos de reutilização para outros tipos de embalagens não abrangidos pelas metas existentes neste Regulamento. Podem ainda estabelecer sistemas de depósito com reembolso para reutilização e para outros formatos de embalagens e fazer uso de incentivos económicos. Os Estados-Membros podem também manter os atuais requisitos nacionais de sustentabilidade adicionais aos estabelecidos no Regulamento, desde que não conflituem com este ou não restrinjam a colocação no mercado de embalagens que cumpram as suas disposições.
Ao contrário do que algumas vozes que regularmente tentam passar a mensagem que, agora que temos um Regulamento Europeu, Portugal não pode ou não deve ter a ambição de manter medidas que já estão previstas na Lei ou de procurar ir mais além, o Regulamento estimula a que os Estados-Membros o façam
Portanto, ao contrário do que algumas vozes que regularmente tentam passar a mensagem que, agora que temos um Regulamento Europeu, Portugal não pode ou não deve ter a ambição de manter medidas que já estão previstas na Lei ou de procurar ir mais além, o Regulamento estimula a que os Estados-Membros o façam.
Para mais, num momento em que tanto se fala da necessidade de aumentar a competitividade e a resiliência da Economia Europeia, apostar em áreas como o reenchimento e a reutilização de embalagens garante que o valor de cada embalagem é retido durante mais tempo, servindo o seu propósito e fomentando o emprego de base nacional, visto tratar-se de atividades, essencialmente de base nacional (por vezes até regional ou local).
Mas este novo Regulamento não traz novidades apenas na área da prevenção da produção de resíduos de embalagens. Abre também o espaço para que os sistemas de depósito com reembolso (SDR) possam abarcar outros materiais (como as garrafas de vidro de bebidas de utilização única), bem como outro tipo de embalagens, e que haja uma forte integração com os SDR para a reutilização. Aqui Portugal poderia ter queimado etapas e incluído o vidro, desde o primeiro momento, no SDR nacional (garantindo o cumprimento da meta de reciclagem que há décadas não é cumprida), mas, infelizmente, não teve essa visão. Outro avanço importante é a proibição de utilização de PFAS, os químicos eternos, em embalagens para alimentos a partir de setembro de 2026. Também há novidades ao nível da responsabilidade alargada do produtor, onde, entre outros aspetos, se refere que os Estados-Membros devem assegurar que estes regimes dedicam uma parte mínima do seu orçamento ao financiamento de ações de redução e prevenção e que a eco-modelação se torna a norma.
(...) estamos perante um texto com 124 páginas, que, caso haja visão por parte dos decisores políticos e empresariais, poderá conduzir-nos a uma sociedade de menor produção de resíduos de embalagens (...)
O regulamento introduz ainda requisitos harmonizados de rotulagem e marcação para diferentes formatos de embalagens com o objetivo de facilitar a triagem pelos consumidores e o aumento das taxas de reciclagem e objetivos de integração de material reciclado.
No essencial, estamos perante um texto com 124 páginas, que, caso haja visão por parte dos decisores políticos e empresariais, poderá conduzir-nos a uma sociedade de menor produção de resíduos de embalagens, de estímulo da reciclagem e de reforço da economia portuguesa. Não há portas fechadas. Resta saber se teremos a ousadia de fazer uso delas.