Um ano que são dez

Um ano que são dez

Já se sabe que não é em janeiro, mas em setembro que os anos começam. Na rentrée de Bruxelas, Draghi apresentou o relatório sobre o futuro da competitividade europeia, com propostas para as próximas décadas em três eixos: inovação, descarbonização, e redução da dependência externa, nomeadamente na aquisição de matérias-primas e defesa. Por cá, nos resíduos, a rentrée chegou com a homologação do aditamento às licenças do SIGRE, válidas por uma década, com condições especiais para a (nova) gestão de embalagens que geram resíduos não urbanos, e embalagens que dão origem a resíduos urbanos em produtores com produção diária igual ou superior a 1.100 litros.

É certo que há um dever dos Estados-Membros de compatibilizarem as suas medidas nacionais com os macro-objetivos de política ambiental europeus.

Estabelecer prazos alargados para novas licenças (ou alargar o prazo de licenças existentes) é um dos exemplos de escola de uma escolha em políticas públicas que exige uma ponderação delicada de interesses contrapostos.

Estabelecer prazos alargados para novas licenças (ou alargar o prazo de licenças existentes) é um dos exemplos de escola de uma escolha em políticas públicas que exige uma ponderação delicada de interesses contrapostos. Mas independentemente de, aqui e agora, um juízo sobre as implicações concorrenciais da atribuição das novas licenças por uma década, o certo é que a prossecução do interesse público implica que a prazos mais alargados corresponda um mais intenso exercício dos poderes-deveres de fiscalização e controlo por parte das entidades públicas responsáveis.

O alargamento da disciplina da responsabilidade alargada aos não urbanos é uma das principais novidades e traz oportunidades e desafios.

Desde logo, este alargamento deve potenciar uma economia circular robusta ancorada na inovação da transformação de resíduos em novas matérias-primas. Ao permitir a gestão por parte das mesmas entidades gestoras de todos os resíduos, favorece-se o seu efetivo aproveitamento direcionando-os, corretamente, para o respetivo fluxo, evitando-se desperdícios. Esta eficácia é potenciada pelo alargamento do âmbito e das condições para a criação de redes próprias de recolha que, tendo agora critérios mais claros (mas sempre complexos) para distinguir os resíduos urbanos dos resíduos não urbanos, permitirá, em tese, uma triagem dos materiais mais eficaz.

Este alargamento deve potenciar uma economia circular robusta ancorada na inovação da transformação de resíduos em novas matérias-primas

Todavia, é necessário que as entidades gestoras agarrem a oportunidade e apostem, não só na sensibilização, formação e disponibilização de meios junto dos grandes produtores de resíduos, mas também, numa compensação ajustada às necessidades dos operadores pelo seu papel na criação de uma economia circular que promove a criação de novas matérias-primas. Esta dimensão crucial tem sido esquecida, com todas as implicações desde logo jurídicas que implica. Por exemplo, é necessário que a Ecovalor respeite plenamente o princípio constitucional da equivalência e consiga, quer quanto ao seu desenho e quantificação, quer quanto à sua canalização e aplicação concretas, traduzir-se no financiamento necessário da cadeia, também em matéria de inovação ao longo da cadeia, desde logo junto dos operadores. A Ecovalor é um meio para atingir inovação e metas – não um fim em si mesma.

Enquanto não for conhecido o estudo de classificação de embalagens prometido até julho de 2026, os embaladores, importadores de produtos embalados e representantes autorizados encontrar-se-ão perante uma obrigação declarativa difícil de cumprir

Há questões de classificação que permanecem, como a indústria tem alertado em Bruxelas, desde o momento da disponibilização das embalagens no mercado. De facto, a classificação como urbano ou não urbano só é possível com o conhecimento do percurso do resíduo até à recolha. Assim, enquanto não for conhecido o estudo de classificação de embalagens prometido até julho de 2026, os embaladores, importadores de produtos embalados e representantes autorizados encontrar-se-ão perante uma obrigação declarativa difícil de cumprir, o que poder originar discrepâncias que se vão refletir no financiamento do sistema.

Por fim, a aplicação da responsabilidade alargada às embalagens que gerem resíduos não urbanos é de difícil compatibilização com o artigo 22.º/2, do UNILEX, ao exigir que, excecionadas algumas situações, a responsabilidade pela sua gestão deva ser custeada pelo produtor do resíduo.

Como em todos os regressos do verão, também este aditamento às licenças das entidades gestoras do SIGRE que as incumbe de, durante uma década, fazerem a gestão das embalagens, corre o risco de ser soterrado em boas intenções que não chegam ao Natal.  Mais do que nunca, o setor terá de saber encontrar uma resposta integrada através do envolvimento de todos os intervenientes; até porque não é um ano que começa – é pelo menos uma década.

(...) também este aditamento às licenças das entidades gestoras do SIGRE que as incumbe de, durante uma década, fazerem a gestão das embalagens, corre o risco de ser soterrado em boas intenções que não chegam ao Natal

Nota: Daniel Santos Almeida, advogado na Gama Glória, colaborou na redação deste artigo. 

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