
Novo mecanismo de alocação e compensação divide o setor
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O novo Mecanismo de Alocação e Compensação (MAC) do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE), concebido pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), encontra-se em consulta pública e está a suscitar posições divergentes no setor, apurou o Água&Ambiente Online.
Do lado das entidades gestoras (EG) de resíduos de embalagens, o Electrão considera a mudança como excessivamente abrupta e a Sociedade Ponto Verde (SPV) defende um período de transição e o conhecimento prévio do algoritmo que vai orientar as retomas. Já a Novo Verde vê no novo modelo uma evolução positiva, destacando a automatização como fator benéfico.
Entre os sistemas de gestão de resíduos urbanos (SGRU), a EGF vê no mecanismo uma mais-valia, salientando também como aspeto positivo a automatização da alocação. Já a Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA) não antecipa grande impacto para os operadores de gestão de resíduos e entende que a proposta introduz “transparência e disciplina”.
O que muda?
A partir de julho de 2025, a ERSAR assume a gestão do MAC no fluxo de embalagens e respetivos resíduos, e as novas regras do mecanismo, definidas pelo regulador, estão em consulta pública até 29 de abril.
A principal novidade é a introdução de um algoritmo que determinará automaticamente qual a entidade gestora responsável por cada carga de materiais recicláveis, com base nas respetivas quotas de mercado. Deixará, assim, de ser competência dos SGRU indicar a entidade.
Os pedidos de retoma serão uniformizados e enviados por correio eletrónico para a ERSAR. As quantidades serão convertidas em unidades de carga fixas, sendo apenas atribuídos múltiplos inteiros, ou seja, os excedentes acumulam-se para pedidos futuros. As EG ficam obrigadas a recolher as cargas que lhes forem atribuídas, enquanto os SGRU poderão anular pedidos no prazo de 10 dias, em caso de erro ou de desvios superiores a 10%.
A principal novidade é a introdução de um algoritmo que determinará automaticamente qual a entidade gestora responsável por cada carga
A compensação entre EG será anual, por tipo de material, com base nos dados reais de retoma e numa nova fórmula que integra o valor da contrapartida, eventuais subsídios de transporte marítimo e o preço médio de retoma. As recolhas próprias não são consideradas no mecanismo.
O regulamento proposto impõe prazos rigorosos: os quantitativos previstos devem ser comunicados até 30 de setembro; as quotas de mercado são fixadas pela ERSAR até 15 de novembro; os dados reais do ano anterior são reportados até 15 de abril, sendo os valores de compensação comunicados até 15 de maio e pagos no prazo máximo de 60 dias.
O novo modelo aplicar-se-á retroativamente ao ano de 2025, com implementação plena prevista para 2026.
Entidades gestoras identificam riscos, mas também oportunidades
A SPV está a acompanhar com expectativa a evolução do novo MAC, confiando que a ERSAR terá em conta os requisitos operacionais dos SGRU e das entidades gestoras, promovendo maior eficiência e previsibilidade. Contudo, a entidade gestora defende que qualquer alteração seja acompanhada por “um período transitório” que permita adaptar processos e sistemas, prevenindo disrupções.
Por outro lado, a SPV destaca que o MAC é “instrumental para garantir o equilíbrio económico-financeiro das EG” num ambiente concorrencial, sendo por isso “fundamental conhecer previamente o algoritmo” antes de se retirarem conclusões.
Para Pedro Nazareth, CEO do Electrão, o regulamento proposto “representa uma rutura demasiado abrupta face ao modelo atual, sem justificação clara para a mudança de paradigma nem evidência concreta dos benefícios esperados”. O gestor defende antes uma transição gradual da CAGER - que era até aqui responsável pela gestão do MAC - para a ERSAR, assente no modelo atual e na experiência existente, de forma a garantir previsibilidade num sistema com elevada complexidade.
A nova metodologia traz, segundo Pedro Nazareth, “desafios significativos a nível operacional, logístico e contratual”. O CEO do Electrão aponta problemas na nova lógica de alocação e periodicidade das cargas entre SGRU e entidades gestoras e alerta para o aumento da carga administrativa e risco de falhas na comunicação, devido à substituição de sistemas integrados por trocas de e-mails na gestão de retomas. Critica ainda a impossibilidade de realizar concursos com base em estimativas de produção e alocação, o que comprometeria a relação com os recicladores.
Apesar disso, vê potencial na automatização do sistema, com algoritmos que ajustam quotas “de forma mais expedita e eficaz” e “com base em regras claras”. Contudo, “o regulamento proposto não se centra na automatização do atual sistema”, ressalva, “altera profundamente o MAC, introduzindo uma lógica completamente nova, com impactos operacionais e comerciais muito significativos”. Dá como exemplo a comunicação da estimativa de quotas de mercado em setembro, que coincide com o período de contratação entre embaladores e entidades gestoras, introduzindo incerteza num momento decisivo.
Já o diretor-geral da Novo Verde, Pedro Simões, reconhece os desafios da nova metodologia, mas destaca também as oportunidades. Salienta, por exemplo, a possibilidade de as entidades gestoras passarem a gerir diretamente os “pedidos de retoma que lhes são consignados, e que financiam, com o conhecimento total e quase online do que se está a passar ao nível operacional”.
A introdução de um sistema automatizado para a alocação de resíduos, assente num algoritmo que ajusta as quotas conforme o desempenho real do mercado, é considerada pela Novo Verde uma medida “que só peca por tardia”. Para Pedro Simões, ao eliminar a intervenção do SGRU na escolha das entidades gestoras, esta opção corrige distorções causadas por alocações teóricas e promove uma distribuição mais justa das responsabilidades. A expectativa é que, com este sistema, as compensações anuais, se ocorrerem, “sejam marginais”, privilegiando o cumprimento efetivo das obrigações de retomas reais, com base em quotas de mercado atualizadas.
Exclusão das redes próprias: o calcanhar de Aquiles
A exclusão das recolhas próprias do mecanismo de compensação é um ponto comum de contestação entre as entidades gestoras.
Pedro Nazareth discorda de forma “veemente”, considerando que tal decisão desincentiva o investimento, compromete a inovação e as metas: “É uma aparente simplificação deste mecanismo, mas que representa um retrocesso claro para os resultados de reciclagem do país e para o esforço que o Electrão e outras entidades vinham a fazer, com a aprovação da própria Agência Portuguesa do Ambiente” e que “pouco a pouco começava a produzir resultados com impacto nas metas de reciclagem”.
A exclusão das recolhas próprias do mecanismo de compensação é um ponto comum de contestação entre as entidades gestoras.
Também Pedro Simões manifesta oposição à medida, afirmando que não tem “qualquer respaldo legal”. Sublinha que o país falha metas em materiais como vidro e alumínio e que, face ao aumento das exigências, “incutir mais uma barreira à existência de redes de recolha próprias não é de todo a melhor política”.
EGF valoriza automatização da alocação
Do lado dos SGRU, a EGF, que atua em 174 municípios, através de 11 empresas concessionárias, encara com otimismo a transferência de competências da CAGER para a ERSAR, considerando que os objetivos delineados no projeto de regulamento são “bastante ambiciosos” e constituem “uma mais-valia”. Embora reconheça que o modelo anterior “estava funcionalmente bem e sem constrangimentos operacionais”, a empresa valoriza o novo enfoque na digitalização e na introdução de uma ferramenta tecnológica que automatize as alocações.
Aliás, a EGF participou já nos testes-piloto do novo sistema, através de três das suas entidades.
Além disso, a empresa realça a importância de atribuir ao regulador a competência para rever os valores das contrapartidas financeiras. “A ERSAR é quem dispõe de toda a informação financeira, operacional e regulatória utilizada para aferir os custos efetivos da recolha seletiva e triagem de embalagens, bem como dos investimentos necessários”, declara a EGF.
Contactada pelo Água&Ambiente Online, a ESGRA - Associação para a Gestão de Resíduos preferiu não comentar o projeto de regulamento, enquanto este ainda está em consulta pública.
AEPSA não antecipa impactos significativos para OGR
Para Eduardo Marques, presidente da AEPSA - Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente, a proposta de regulamento do MAC introduz “transparência e disciplina” no processo de compensação entre EG, destacando o registo obrigatório de todos os movimentos, à exceção dos associados a redes próprias. A associação considera que os mecanismos propostos são “adequados e relativamente fáceis de implementar”, facilitando uma contabilização uniforme entre as EG.
Reconhecendo a necessidade de um período de adaptação, a AEPSA entende que “a metodologia é ajustada ao propósito do MAC” e aplaude o reforço dos mecanismos de controlo e fiscalização. A associação não antecipa, de resto, impactos significativos para os Operadores de Gestão de Resíduos, e espera que este mecanismo possa “contribuir para o tão desejado cumprimento das metas, cuja primeira responsabilidade cabe às EG”.